quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Eu não sei fazer síntese

Um dia desses te prometi uma história, nada mais justo.
Eu não faço a menor ideia de por onde começar, mas, antes de tudo, eu te pintaria do jeitinho que você é. Se desenhando por essas ruas abafadas e cheio de sede de mudança.
Mas uma coisa eu faria diferente: Você seria visto como o mocinho. Não que a percepção dos outros seja importante nessa história, mas, pela primeira vez, você mesmo se veria como tal.
Eu sei que a palavra "mocinho" faz tudo soar entediante e vomitável, mas, se quase tudo é cinza, a gente podia fazer essa mistura entre bem e mal sem precisar de uma lição no final.
Tenho bastante dificuldade em descrever seus olhos, sabia? Não sei bem colocar em palavras aquilo que poderia ser desenhado.
Eu gosto dessas ações silenciosas e quase imperceptíveis. Daqueles olhares difíceis de suportar e impossíveis de esquecer.
Não me preocupo com o desenrolar da história. Sei que ela correria fácil, entrando por de baixo da porta e pelas frestas das janelas de quem não se permitiu aquietar ou desistir.
O que me tira o sono é essa necessidade de final. Ele deveria ser feliz, mas...
"Se fosse realmente feliz, não teria um final" eu costumava pensar.
E aí me lembrei de uma frase de uma das muitas cartas de amor que nunca lhe foram entregues.
"Qual é o nosso problema com o instante? A gente fica procurando aquilo que é eterno e tudo mais, mas, por quê? [...] Posso não saber muito sobre você, menos ainda sobre mim mesma, mas sei que todo "para sempre" eventualmente se transforma em algo irritante e sonolento. Definitivamente não é assim que eu me sinto ao pensar em você".
E chego ao fim, assim, dessa mísera introdução do que um dia pode beijar o sucesso e mergulhar no fracasso.
Deixo em seus braços todo o meu calor, mas deixo nas mãos de qualquer um, a oportunidade de dar, ou não, um final ao que os nossos ideais começaram sem querer em uma tarde de julho.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Rodas no asfalto

Hoje, na rodoviária, vi um garotinho com uma blusa onde se lia "Eu nasci para só vencer".
Fiquei imaginando o momento em que a mãe comprou a peça, toda cheia de si e sem a menor noção.
Achei um tremendo vacilo com o garoto. Imagina quando ele tomar a primeira porrada da vida? Vai achar que nasceu em vão.
"Talvez seja só uma camiseta, Jamile." Pensei comigo mesma. Mas nunca é só uma camiseta. Gal Costa vive me dizendo que não. "Não sei, leia na minha camisa".
Já dentro do ônibus, vi duas velhinhas conversando. Estavam falando de alguém que havia morrido há pouco tempo. Uma perguntou à outra de qual funerária ela era "cliente" e, depois de ouvir a resposta, disse bem alto:
-Puta que pariu! É uma merda! Quando o meu cunhado morreu, a gente usou essa. Só deu transtorno.
Fiquei meio chocada por aquela senhorinha, que tinha cara de vovó que faz bolo de cenoura com cobertura de chocolate e dá beijo no dodói do neto, falar palavrão. Mas, porra, quem sou eu pra julgar, não é mesmo?
Depois, as duas continuaram a tricotar a respeito de morte. Mas não era nada filosófico, não. Era sobre tipo de caixão, atestado de óbito, cemitério mais bonito, velório em que a viúva acende incenso (a velhinha número dois disse que isso era coisa de macumbeiro, o que, particularmente, me irritou) e falaram até sobre qual era o melhor padre para rezar a missa de sétimo dia.
Admito que fiquei assustada por elas terem tanto contato com a morte e tratarem disso de maneira tão superficial. Então pensei que, talvez, fosse só uma maneira de ter assunto. Igual na terceira série, quando se discutia quem tinha a lancheira mais bonita. Se bem que, para falar a verdade, eu estava mais preocupada em comer meu lanche e sair pra brincar de polícia e ladrão.
Voltando às duas velhinhas, lembrei-me de todos os assuntos que eu guardo só para mim, por ter medo deles. Pensei que, talvez, a morte seja um desses assuntos para elas.
Imagina só, conseguir vê-la tão de perto...
Nesse momento, alguma coisa me doeu. Eu sabia que eu mesma, do alto dos meus quinze anos, podia vê-la caminhando na minha direção. Cada dia mais próxima.
Quando eu era mais nova, imaginava a morte como uma caveira com uma foice.
Um dia, uma garotinha do jardim dois morreu. Não me lembro qual foi o motivo, mas pensei que aquele esqueleto e sua foice tinham de ter corrido muito pra chegar até aquela menina tão novinha.
Mas imaginar um esqueleto correndo é meio estranho.
Aí, a morte virou uma borrachona que apagava as pessoas do mundo quando elas já haviam terminado de se desenhar.
Continuo com essa mesma teoria, mas no sentido conotativo, porque eu, até hoje, não sei desenhar.

sábado, 18 de janeiro de 2014

Cores de Cora

Eu lavei a sua louça e compartilhei das suas ideias.
Deixei com você um pedaço tão grande de mim que eu hoje não tenho o mesmo formato.
E é tão bom conhecer alguém que não vive de teoria, que não morre lentamente...
Não contenho lágrimas, porque ainda mais doloroso seria sair com passos silenciosos. Eu não sei comportar-me quando o barulho dos meus pensamentos não é sobreposto por alguma coisa.
"Um erro" você, muito provavelmente, falaria baixinho.
Mas, dessa vez, está longe.
Algum parente uma vez me disse, antes de perguntar "dos namoradinhos", que a vantagem de ser jovem é poder deixar as coisas para trás a qualquer momento. Jurava que ele ia dizer algo sobre dores musculares ou cabelos brancos, mas não...
E, realmente, vejo que deixo muitas coisas para trás. Mas mais que isso, deixo um pouco de mim em todas essas coisas. Sejam elas memórias, momentos, pessoas, ou lugares. E isso tudo se infiltra em mim também.
Talvez seja aí o final de tantos "por quês?". Um quebra cabeça feito de trocas e mais trocas. E mesmo que, quando chegue ao fim, forme uma imagem, no mínimo, interessante, ainda será possível ver a divisória de cada uma das peças.
Ou talvez eu esteja apenas me ocupando com pensamentos malucos para evitar mais dor.
É que me parece vazio chegar em casa e não encontrar uma senhorinha de batom vermelho e sorriso largo pronta para me mostrar os jornais que falam sobre a esquerda, grupo do qual ela também faz parte.
Espero que ela saiba, espero que ela sinta e sei que não passaremos tempo esperando.
Mas é um caminho jamais deverá ser percorrido marchando. Vamos cantarolando, dançando mal. Vamos! Vamos!