domingo, 29 de dezembro de 2013

Salgado

Não sei se a culpa é das cartas de amor que eu não escrevi.
Se foi o suor que escorria por meu rosto.
Se foram as horas que passei chorando no banho, deixando as lágrimas se confundirem com água que vinha de cima, só para que, no final, pudesse dizer que tudo estava bem.
Talvez tenham sido os erros na pontuação. Licença poética? Que nada!
Me tirava a paz, mas não o prazer.
O prazer do mar. De se sentir um só, quando não mais se nota os limites do corpo, onde termino eu e começa o mar. Sou setenta por cento água. Setenta por cento mar. Se isso não é amar, é amorte.
Mas como ser inteiro e continuar intacto?
E como ir fundo em terra firme?

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Sobre céu nublado e arco-íris

Faz de mim sua chuva, sua tormenta.
Faz isso sem esperar a bonança.
Tudo o que se permite ser desafinado me encanta.
Porque eu não gosto de rostos sem rugas. É como uma tela em branco, evitando sua própria criação. A gente se desenha.
A gente também se pinta, em sonho.
Só quem se aventura assim é que pode encarar os dias de cara e alma lavada.
Porque somos todos sonhos. A realidade é só o que a gente expõe.
Nunca lembro dos meus sonhos, e por isso peço que me leve pelas mãos.
Não faz bem atravessar a rua como quem pula de paraquedas. Não faz bem gritar pro mundo, e pra quem mais estiver prestando atenção, que eu nunca passei de um ponto de interrogação.
Assim, com tudo o que é desconexo e vital, construímos ninhos nas raízes. Abrimos mão de voar o que é de fora e abrimos asas pra moldar o que é de dentro.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

A vista da minha janela é o muro

Domingo. O dia em que tínhamos permissão de olhar em volta e andar sem pressa. Depois da missa, é claro.
O evento em que vestíamos nossas melhores roupas e encontrávamos toda a vizinhança. Era só isso para a grande maioria, mas não era o meu caso. Eu gostava.
Quando o sermão acabava, todo mundo saía correndo. As mulheres se juntavam para contar as novidades da vida dos outros e, depois, iam para casa apressadas fazer os almoços, os homens iam ao boteco do seu Luiz ler jornal e discutir futebol, as crianças iam brincar pelos cantos e os jovens ficavam por ali mesmo, paquerando nos banquinhos da igreja.
Eu não sei onde é que me enquadrava, mas ficava na igreja, que, na verdade, era só uma capela. Extremamente simples. Muito diferente das igrejas majestosas que eu estava acostumada a ver quando morávamos em Minas.
Mas eu gostava mais assim. Me distraía menos. Seria ótimo se, ao menos, o Padre Gilberto quisesse estar ali. Ele sabia que ninguém realmente o ouvia. Nem as velhinhas que corriam pra confessar o que não era segredo, porque elas mesmas espalharam.
Na hora do almoço nos reuníamos brevemente enquanto papai falava sobre o banco e perguntava sobre a nova namorada do meu irmão mais velho.
Depois, todo mundo fugia outra vez. Mamãe ia à praça, papai de volta ao bar e Bernardo e Cláudio se enfiavam na casa de nosso vizinho, que tinha uma TV à cores.
De novo, eu ficava ali. Com os meus livros. Era uma pena nem todo mundo poder apreciar o mundo que aquelas letrinhas miúdas impressas no papel continham.
E eu me lamentava por saber que jamais poderia escrever daquela maneira. De juntar ideias e rimas, histórias e sinas. De trazer as maravilhas do mundo para alguém que, como eu, estava ilhado naquele subúrbio paulista.
Eu não despertaria aqueles amores, não derrubaria uma lágrima silenciosa do rosto de qualquer pessoa, não inspiraria ninguém.
E não só por não ter sido agraciada com talento, mas por não ter sido abençoada com a ignorância.
Por não me misturar, e não por arrogância. Por não entender qual era o ponto de toda aquela cerimonia quando, no final, estávamos sempre em desvantagem. Sem chance de "não" e sem oportunidade de "sim".
Por ser pobre, por ser mulher e, novamente, por ser humano.
Acho que direi ao padre Gilberto que o meu grande pecado foi ter os olhos abertos e não deixar o sonho entrar. Viver tanto na realidade a ponto de perceber que sem a ilusão não se faz tempo bom.
É certo que, se não estou feliz, estou fazendo algo errado. Mas o mundo lá fora de quem se diz certo continua cinzento. E não por conta do céu, mas pelos homens em seus ternos que estão sempre atrasados para pegar o bonde.

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Sem receita e sem remédio

A vida é breve, viva o breu.
Viva o barulho que o vento faz nos ouvidos e o instante em que os olhos param de procurar por qualquer beleza irreal.
Quando os braços se abrem e o infinito parece morar ao lado. Ser extenso, ser perpétuo, ser humano.
E embora haja a consciência de que é tudo passageiro, a pressa passa longe e o preço não existe.
Pele pela alma e sangue na corrente.
Rápido e eterno como um salto, despercebido e essencial como um passo.
A certeza do colo sem o medo da queda.
Gostar dessa dualidade que faz de todo mistério um mergulho em um oceano que tantos preferem ignorar.
E só. Sem receita e sem remédio.

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Ciranda

Os jornais já estão amarelados, assim como os sorrisos.
A gente nunca saiu do papel, mas não seria problema algum se, ao menos, ele virasse um aviãozinho ou rascunho de criança.
Os armários estão cheios de coisas que não gostamos e você ainda me pede pra ter paciência. Me diz que as coisas vão melhorar, mas não estar ruim não significa estar bom.
Outro dia mesmo você perguntou o porquê de eu passar mais tempo olhando o mundo pela janela do que vivendo as nossas coisas.
Eu dei ombros, mas isso me atormentou durante um bom tempo. Desde quando se vive de coisas? Eu deveria me alegrar por ter um novo liquidificador?
Foi a minha vez de me pedir paciência. Talvez você tenha se expressado mal. Talvez essas tais 'coisas' sejam abstratas. Eu tenho andado tão chata...
Já não reclamo do trânsito da megalópole. As buzinas e a gritaria têm sido menos desagradáveis de ouvir do que a sua crítica ao novo filme do Almodóvar. Dei um jeito de me esconder na fumaça dos caminhões.
Eu olho as pessoas pela rua e invento uma história de vida pra cada uma delas. Fico imaginando o que elas me contariam. Como seria o tom de voz e o que as emocionaria. A sorte e a tragédia estão sempre presentes, mas não há coragem para uma aproximação. Conversas são improváveis.
A gente não quer mais mudar o mundo e anda pela casa tentando não se esbarrar. Vira pro outro lado da cama e almoça olhando para baixo.
Me tornei narrador observador em minha própria vida, que se tornou um filme ruim, sem pipoca e com uma trilha sonora melancólica.
Viver do que foi e não é mais. Se conformar.
"Pelo menos eu não vou morrer sozinho".
Como se a presença de alguém também vazio fizesse alguma diferença...

domingo, 3 de novembro de 2013

Carta não tão de amor

De quem sorri em desespero e se esconde na manhã seguinte.
À quem reconhece a ignorância e vive a dor em silêncio. Fala baixo, desvia o olhar e tem sonhos ruins, como se não pudesse fugir da realidade nem mesmo onde a fantasia é rotina.
O café, o mau humor e a nicotina.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Carta de adeus a Deus

A gente passa a vida sentindo falta de algo abstrato.
Não falo de amor, não.
Falo de descobrir alguma coisa sobre você mesmo.
Sobre, mais do que parecer completo, se sentir completo.
De viver momentos felizes sem ter que expor ou provar isso pra alguém.
Acho que pouquíssimas pessoas percebem isso tudo e, dentre elas, quase nenhuma consegue viver desse modo.
A grande maioria cria maneiras de enganar a si e aos outros, anda em círculos e vai ao shopping quando se depara com o abismo.
Acontece que eu nunca soube mentir.
E cansa esse ciclo, ou melhor, esse circo de pedir desculpas sem se arrepender, de competir por aquilo que não faz bem, de querer derrubar pra subir na vida e, pior ainda, achar que isso tudo é viver.
Cheguei a um ponto onde todo instante parece um café gelado num domingo de manhã.
Onde não me importa o fato de eu ser um problema ou de não ter ninguém à minha volta. Onde viver no tumulto, criar confusão e estar em contradição é só uma tentativa de obter diversão.
O que era efêmero, hoje eu só chamo de ilusão.
Não sou feliz, mas não sofro. O que também não é bom.
Por isso, eu vou. Sem a sensação de missão cumprida, é verdade, mas sem causar dor a mais ninguém.
Talvez, e eu disse talvez, eu sinta inveja por eles ainda terem essa capacidade.
Egoísmo seria continuar gastando o tempo de quem acha que tem algum objetivo.
Deixo os sorrisos e a inocência que eu talvez tenha tido à quem ainda tem esperança.
E a eterna saudade daquilo tudo que eu não senti.
Até a próxima.

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Imerso

E eu me escondia atrás da gravata e das pessoas me chamando de "doutor".
Não respirava a liberdade e vivia em função da auto piedade.
E ela, que já foi amor, diversão, casamento, amizade e porto seguro, estava perdida e tão fraca quanto eu, mas ainda exibia um meio sorriso esperançoso de quem já sonhava em voar longe.
Mas eu não veria isso tudo porque tinha o orgulho bloqueando a visão e repelindo qualquer tipo de compreensão.
Varrendo para debaixo do tapete a ausência e a rebeldia.
Vendendo a cura sem ao menos entender o problema e virando copos pra não ter de virar as noites.
Abaixando o volume, trocando de canal, queimando fotos. Qualquer coisa que tirasse o foco da minha mediocridade.
Por fim, vendi a minha alma e, embora não tenha encontrado a felicidade, fui encontrado na banheira e choquei a todos no jornal da cidade.

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Ser sem ter

Eu tinha um violão desafinado, lápis mal apontados e bloquinhos de papel.
Tinha também uma janela redonda que dava de frente pra uma avenida movimentada. Eu tinha um mundo diante dos meus olhos e outro na palma da minha mão.
Via uma vida com a qual eu não concordava e, ao meu lado, uma alma que eu entendia e de quem eu gostava.
Na mochila os anos passados que, um dia, tiveram a chance de voar para alguém, já eram apenas memórias engaioladas que, quando revividas, se tornavam vítimas de comentários daqueles angustiados que diziam ter vivido "os bons e velhos tempos". Tempos remotos, mas, de tão bons, eram esquecidos com a ajuda de um controle que, surpresa!, também era remoto.
Em um dicionário surrado esperavam palavras diversas e seus significados que se revelavam nada. Eu achava que aquelas 1000 páginas estáticas de palavras existindo sozinhas jamais chegariam aos pés daquela carta de amor, curta e com muito menos palavras, que tirou o sono e o chão de alguém. Pai dos burros? Com certeza não. Só pai lavras solitárias.
Finalmente, deixando de lado o ceticismo que eu deixei me dominar, e talvez até me cegar, fui.
E era, sim, o nascer do Sol de uma vida. Sabia que, em determinado momento, ele voltaria a se pôr e eu teria de aprender a andar no escuro. Mas era isso que tornava tudo tão especial. Nós somos instantes.

domingo, 22 de setembro de 2013

Real o suficiente pra ser imaginário

Eu lembro de quando a gente se conheceu.
Estava lendo meu livro, toda nervosa pra saber o final, e começou a ventar muito, do nada. Eu gosto de quando venta, mas as páginas do meu livro começaram a dançar de um lado pro outro, como se rissem de mim e da minha ansiedade.
Corri pra fechar as janelas e, antes que eu terminasse, você, com um rosto incrivelmente simpático, me pediu "pra deixar uma frestinha aberta... Sabe como é, pro ar circular"
Não pude conter um sorriso largo.
Lembro também do dia em que recebi uma ligação desesperada às quatro da manhã. "Fiz merda, fiz merda".
Quando cheguei foi, novamente, impossível conter o riso. Você, com uma tesoura em mãos e olhos que gritavam por socorro. Havia cabelo por todo o chão e, antes que eu perguntasse qualquer coisa, você disse "Tentei ter um cabelo como o da Amelie Poulain ou do Julia Casablancas. Pareço um boneco de vudu". Antes que eu pudesse ajudar o despertador tocou.
E é só o que me lembro. Por isso ainda tenho dúvidas sobre você ter realmente existido ou não.
Minha cabeça já desenhou muitas coisas que os meus olhos nunca chegaram a ver.
Via o teu rosto de vez em quando, quando ouvia uma música um milhão de vezes e começava a criar novos significados pra ela enquanto ela me trazia diferentes sentimentos.
Talvez eu não faça questão da sua existência. Talvez não, eu não faço. Nunca foi amizade, nunca foi amor. Foram coisas pequeninas que fizeram meus dias felizes por pelo menos um segundo.
Com você eu aprendi que posso me fazer feliz. Mesmo que não me ame e não queira ser minha amiga. Mesmo que fale sozinha e que eu seja você. Mesmo que me sinta triste e que procure saídas de emergência. Mesmo que tente ter um fim, você não vai sem mim.

sábado, 14 de setembro de 2013

Tempos de colheita

Eu vou passar o resto da minha vida vivendo as minhas ilusões e, antes que você tente me dissuadir, eu não quero saber de realidade nenhuma. Realidade é você quem faz.
E se, por acaso, eu me perder entre tantos devaneios, deixe que seja assim. Deixe que eles se percam e se prendam em um nó impossível de desatar. Assim, estarão sempre ligados. Talvez não em harmonia, mas, sinceramente, para quê eu ia querer que estivessem?
Em mar calmo não se pega onda e mentes curiosas de almas expansivas precisam de algo a mais para que continuem a voar.
Mas, por Deus, era tanto pecado e tanta virtude que resolvi me basear pelo Sol e solmente por ele, que ilumina tudo, talvez não com a mesma intensidade, mas de acordo com sua necessidade. E foi assim, de um modo dourado e revigorante, que eu tive certeza de que estava certa.
Sei, sim, que me farão perguntas a respeito da solidão, mas a verdade é que sozinha eu sempre me senti. E acho que isso faz parte da natureza humana. Nunca conheci alguém que se sentisse completo o tempo todo.
Faço isso por amor, que fique claro. Porque sei que não há maior prova de amor do que simplesmente ser. Amor não tem forma, não tem padrões. Amor não tem realidade.
Na minha insanidade eu vou plantar o que eu quiser até crescer e virar felicidade.

sábado, 7 de setembro de 2013

Terça-feira

Pedi desculpas, mas não por estar arrependida ou por sentir falta de algo ou alguém. Pedi desculpas porque me acostumei a alimentar o orgulho de outros e deixar com que me devorassem pouco a pouco. O mais difícil, na verdade, era manter o sorriso no rosto. Primeiro porque meu aparelho me incomodava e, segundo, porque eu queria mesmo era vomitar nos sapatos novos deles. Deixei passar. Mais uma vez, deixei passar. Deixei que os sapatos voltassem intactos para casa, deixei que aquele oceano de palavras virasse um tsunami e deixei que ele me afogasse, até que me arrastassem para areia e eu percebesse que ainda estava naquele mesmo bairro, com as mesmas pichações nos muros, as mesmas velhinhas voltando da missa e dando comida às pombas, o mesmo mendigo falando sozinho, os mesmos quarentões de barbas mal feitas no bar da esquina, a mesma loja, aberta, vendendo coisas desnecessárias e eu, ali, indo fundo, questionando o mundo. Reclamando do fato de tudo ser igual sem fazer grandes coisas para que fosse diferente. Cantarolando uma música da Elis Regina fazendo, assim, com que me sentisse genérica. Solitária, como todo mundo, porém não em silêncio.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Vida: Um circo e um circuito fechado

Eu sempre gostei de velhinhos.
Acho que sempre tive essa noção de que eles têm muito a nos ensinar e respeito por tudo aquilo o que eles fizeram e viveram muito antes da minha existência começar a ser imaginada.
Então, nunca suportei ver um idoso ser tratado como um estorvo.
Do alto dos meus quinze curtos anos, eu tenho a certeza e a consciência de que eu também vou chegar lá e não vai ser nada fácil.
Sei que agora só tenho a expandir, crescer e florescer, mas essa fase acaba. Pode demorar, mas acaba.
E envelhecer faz sofrer. É terrível ver a beleza física te abandonar aos poucos, a praticidade te deixar para trás e ver tudo aquilo a que não se dava importância alguma tornar-se desafio diário.
Resolvi, então, fazer trabalho voluntário no Lar dos Velhinhos. Me enoja pensar que alguém tenha a coragem de tratar uma pessoa que passa por tantos desafios, físicos e psicológicos, de qualquer maneira que não seja a melhor possível. Até porque, embora nem sempre admita, um idoso precisa, mais do que nunca e desesperadamente, de apoio. De amor.
Mas eu vou para lá sabendo que encontrarei pessoas de todo o tipo e em diversos estados. Senhoras que envelheceram com doçura e são sempre tão agradáveis que a gente tem vontade de abraçar e não soltar nunca mais; senhores que ainda são, de certa forma, garotos, sempre divertidos e contadores de histórias, capazes de fazer com que a gente fique ali rindo e ouvindo sem ver o tempo voar; pessoas mais reservadas, envergonhadas por estarem naquela situação, como se elas tivessem culpa ou como se fosse algum problema e não algo tão natural. Há também quem seja rude, que feche a cara e dispense conversa. Esses só precisam saber de que há alguém disposto e de tempo, porque nada pode ser feito se não houver colaboração de ambos os lados. Por fim, existem também aqueles que se desprenderam de qualquer tipo de sentimento ruim e da realidade. Que não são mais as pessoas que costumavam ser. São mais leves, podem voar a qualquer lugar sem ter que dar qualquer tipo de satisfação. E, embora, as pessoas tenham atribuído à eles nomes pejorativos como "gagá", acredito que eles sejam os mais felizes e os mais sábios.
Cada um deles têm sua história, seus segredos e suas virtudes e estarei disposta, sempre, a dar-lhes meus ouvidos, minha atenção e minha compreensão.
Passei esse final de semana na casa dos meus avós paternos. Eles moram na praia e, infelizmente, não os vejo sempre.
Tenho que admitir que foram alguns dos dias mais difíceis de toda a minha vida.
Meus avós envelheceram muito mais do que eu imaginava, coisa que eu não percebia pelas ligações por telefone.
Sempre tive um pouco de medo do meu avô. Não que ele fosse mau. Longe disso. Mas era, pelo menos para mim, um símbolo de respeito e elegância. O Senhor Moraes, que trabalhava em um grande banco na cidade de São Paulo e tinha diversos talentos artísticos. Foi também fotógrafo e conviveu com muita gente famosa e importante. Superou a pobreza na infância e chegou aonde chegou. Assim, ele sempre foi um pouco distante, mas sempre o vi como um homem muito forte, ainda mais depois de ouvir todas as histórias sobre ele que meu pai e meus tios contavam orgulhosos.
Agora, muito mais magro e cabisbaixo, aquele senhor precisa de ajuda para se locomover e realizar tarefas básicas. E o que mais gosta de fazer é dormir.
Perguntei se ele sonhava muito, já que dormia tanto, e ele me disse que sim. Perguntei, então, com o que é que ele sonhava e ele respondeu que sonhava com viagens.
-Viagens? Para onde, vô?
-Pra Índia.
-E o que você faz lá?
-Eu ando pela beira do rio descalço e livre.
E só. Não me disse mais nenhuma palavra.
Não sei bem o que aconteceu, só que me deu uma vontade enorme de chorar. Não sei se de tristeza, não sei se o que ele disse me emocionou, mas sei que, depois de tudo o que ele fez pela família, era a nossa, ou melhor, a minha hora de retribuir.
Minha avó, uma das minhas pessoas favoritas no mundo todo, embora ainda tenha mais mobilidade e "clareza", não aceita precisar de ajuda, não aceita estar mais velha e não aceita que o seu marido também esteja. E, assim, se torna, cada vez mais, uma pessoa amarga e solitária.
E o que me entristeceu foi que, mesmo ciente de todos os problemas que um idoso enfrenta, eu demorei um tempão pra enxergar que os meus próprios avós, pessoas de quase noventa anos, que eu amo incondicionalmente, envelheceram também.
E aquilo sobre "descalço e livre" ficou tanto tempo na minha cabeça que, só agora, quando o Sol já nasce pela minha janela, é que eu acredito ter encontrado alguma resposta.
Não posso prender ninguém e querer que alguém fique comigo para sempre, não posso mais achar que a morte seja algo duro e terrível. Porque não é. Para alguns ela é a liberdade de toda a dificuldade que a vida nos fez encarar e só. Preciso aproveitar ao máximo os dias com aqueles passam por momentos de transição e entender que uma hora vai acontecer. E também não é fácil, porque eu sei que o meu amor é tão grande que pode, ocasionalmente, cegar meus olhos e não me deixar ver a verdade: Que laços assim se mantêm para sempre, independente de estado físico.



"Se tenho dores musculares, é porque forcei os músculos por muitas vezes.
E se, para mim, agora subir escadas é difícil, é porque todas as noites
eu subi para dormir ao lado do homem que eu amava.
Eu tenho algumas rugas, sim, mas eu me deitei milhares de vezes sob o sol escaldante.
Eu me olho no espelho e penso assim: Eu bebi muito, fumei muito, vivi, amei,
dancei, cantei, suei e transei o bastante pra viver uma vida muito feliz.
Envelhecer não é ruim, envelhecer é pra quem merece."


Que saibamos envelhecer e saibamos também morrer, mas antes disso, que aproveitemos a nossa chance de viver.

terça-feira, 9 de julho de 2013

Um milhão de tons de cinza. (Só que sem pornografia, tá?)

Ontem à noite eu tentei falar de amor.
O silêncio prevaleceu, novamente.
Então decidi que isso aqui nada teria a ver com esse defeito da humanidade.
E eu passei o dia inteiro vendo a chuva cair e tentando provar pra mim mesma que eu não me sentia sozinha. Não mais. Que eu tinha os meus livros, as minhas músicas, o meu blog e os meus leitores fantasmas.
Estou convencida. Afinal, também tenho um estoque de diamante negro na dispensa caso haja alguma recaída.
É que eu tô cinza.
E isso é pior do que a solidão do escuro e a tão irritante paz que a luz traz.
Cinza. Ranzinza?
Mas não me desespero porque aposto que o dia vai amanhecer dourado amanhã.
Até lá..

sábado, 6 de julho de 2013

uh uh uh

E cá estou, novamente, com os pés gelados e descalços numa madrugada fria, sem saber muito bem o que dizer depois de tanto viver.
Meus dias têm sido repletos de novidades, nem sempre boas, mas que me fazem chegar ao dia seguinte mais curiosa e, quem diria, mais disposta.
E acho que eu devia passar alguma coisa boa pras outras pessoas, mas não sei o que dizer. Mesmo.
Não sei, mas não paro de escrever. Porque escrevendo talvez eu descubra (ou fique com sono e vá dormir de uma vez por todas). 
Eu gosto do barulho que o teclado faz quando eu digito, eu gosto deixar The Paper Kites no repeat pra não deixar a vibe ir embora, eu gosto de dias como o de hoje.
Gosto de ver gente esquisita pela rua (eu me identifico), gosto de rever amigos de infância, gosto de brincar com as barras do metrô e das risadas espontâneas que têm sido bastante presentes.
Hoje, ou melhor, ontem, já que eu comecei a escrever antes da meia noite, eu percebi que escrever o que vem à minha cabeça de repente, sem me importar se faz sentido ou se fica bonito, me faz feliz e me deixa mais leve.
Vou-me um pouco mais esclarecida e deixo com vocês todo esse sentimento infantil que se mistura com a minha felicidade instantânea.  
E que a madrugada seja longa, porém não solitária. Beijo.

domingo, 23 de junho de 2013

Ahn?

É difícil porque eu quero consertar o que eu nem sei se foi quebrado. Nem mesmo sei se existiu.
Aquela alegria exagerada que dá lugar a uma mistura de tristeza com solidão não tem sentido algum. Ainda mais porque eu sei que eu tenho muito mais do que mereço.
Não sei se os círculos começaram a girar em direções opostas ou fui eu que parei de, simplesmente, sentar, olhar o pôr do Sol e me encantar com o simples/absurdo.
Não sei se é falta de paz, falta de sono, falta de aventura.
Não sei mais nada e, mesmo assim, viro as noites pensando.
Aceito provocações à-toa mesmo que não me importe mais o que elas realmente significam.
E, mesmo agora, escrevendo esse texto sem importância, me parece um monte de mimimi de gente idiota.
Preciso ler, viajar, sair da minha cabeça.

sexta-feira, 31 de maio de 2013

É o final de uma era

Eu sinto saudades de ontem.
Sentirei saudades de hoje.
Mas não me deixarei levar pela vontade de voltar, ou a vontade de ficar. 
Os acontecimentos vieram e os sentimentos mudaram enquanto os dias voavam, não em vão, pelas vidas de todos nós.
Não quero que a minha vida passe em uma tela. Fria, morta e abandonada . 
Não me importo mais em assumir riscos. Mergulho mesmo, bem fundo. Mergulho na saudade, em memórias e em coisas que eu mesma inventei. Mergulho e posso até chegar ao ponto de não ver mais a luz. Não preciso mais dela ali, concretizada no impossível.
Tenho o que preciso dentro de mim, porque dentro de mim eu carrego as pessoas que gostei de conhecer, os caminhos por onde passei, os sentimentos que imortalizei. Dentro de mim carrego também as pessoas que não me fizeram feliz, mas que me trouxeram todo o aprendizado que puderam. Dentro de mim carrego o mundo todo e, embora me esqueça disso algumas vezes, tenho a sorte de ter ao meu lado pessoas que, com as luzes que elas também possuem, iluminam o meu caminho e limpam os meus pensamentos.
A vida tem sido muito boa comigo. Eu tenho trilhões de problemas e muitos momentos difíceis, mas, com tantas coisas boas ao meu redor, é fácil deixar o que me deixa pra baixo no chão e sair por aí, voando com as asas que o tempo construiu. 
Há quem me diga que essa é uma data especial, o fim de uma era, o começo de outra. Mas eu nunca acreditei em finais ou começos.
Eu acredito na correnteza. Na continuidade. Na felicidade, sempre ali presente.
Não acredito nas velinhas que se apagam, não. Mas acredito no sentimento que trazem pras pessoas. E, pra mim, isso basta.

sábado, 25 de maio de 2013

Novos tempos

Bom dia!
Cheio de alegria e da ingenuidade que agora me contamina.
A verdade é que estou perdida em muitos sentidos, mas, por enquanto, não vou fazer nada a respeito além de ouvir The Kooks no volume máximo.
Eu estou melhor, sim. Não perfeita, mas criei consciência de mim mesma, o que já me faz querer citar Neil Armstrong de um jeito bem nonsense que é pra combinar com a situação. "Um pequeno passo para o homem, um grande salto para a humanidade".
Tenho tido toda a liberdade de me expressar e gritar aos quatro ventos tudo o que me afeta e me toca de alguma maneira.
Desenvolvi um sentimento de fé muito forte. Não sei o porquê disso agora. A gente nunca sabe, né? Mas talvez tenha influência de todos esses livros budistas que tenho lido. Ou do fato de eu me permitir viajar a qualquer instante, pra longe, pra perto, pro nunca... Acho que, pela primeira vez em muito tempo, eu existo. Acho que agora entendo, de corpo e alma e pele osso, aquilo que dizia Fernando Pessoa.
Me deixa flutuar por esse universo que de repente não se mostra tão distante...

domingo, 28 de abril de 2013

I'm all confused

De repente tudo fica bagunçado e eu perco as minhas certezas.
Talvez seja porque eu nasci em uma época onde as pessoas já tinham computadores e celulares. Eu nasci em uma época onde as pessoas já não tinham liberdade e davam espaço ao medo.
Porque eu acho absurdo esse meu medo de andar na rua à noite, esse meu medo da violência.
Porque eu que, pelo menos pela lei, sou uma cidadã direita me sinto presa o tempo inteiro.
E o pior é ter a consciência de tudo isso e não saber como mudar. De tentar de tudo e de ter de me contentar em fazer parte da grade massa.
 Deus abençoe a ignorância!

sábado, 30 de março de 2013

Pedra

Não sinto a sua falta, não quero a sua presença.
Não desejo que tivesse sido diferente. Ah, não.
Porque você se afundou no seu ego, mesmo depois das minhas muitas tentativas de te salvar, de te trazer pra perto.
E quando eu olho pra você agora, não me vem nada além de indiferença ou pena, talvez.
É que por algum tempo eu me obriguei a sentir algum afeto por você, afinal, faz parte de mim. Mesmo que isso não seja minha culpa.
Mas acho que você se afundou tanto na sua amargura e nesse seu gosto pelo que dói nos outros, que se esqueceu do que um dia chamou de integridade.
Entendo que sua história seja cheia de curvas e partes dolorosas, mas isso te dá o direito e nem é desculpa pra se tornar um monstro. Pras outras pessoas pode, inclusive, ser difícil falar sobre esse assunto ou ser sincero, é só que esse fingimento todo não funciona mais pra mim.
É triste ter que desconfiar das pessoas que deveriam estar lá pra te entender ou ser abraço, ser felicidade, carinho.
Espero, do fundo dessa minha alma, que você encontre o seu caminho e que venha a redenção. Da parte daqueles que você um dia assombrou ou de algo maior.

sexta-feira, 15 de março de 2013

Passos

Bom, depois de um tempo sem escrever e afastada de tudo um pouco, voltei. Logo logo posto uns textos que explicam direito tudo o que aconteceu. Mas hoje, enquanto estava por aí, achei um texto que me fez lembrar de uma pessoa. De uma fase da minha vida que nunca ficou completamente pra trás, para ser sincera. Para mim esse texto não tem nada a ver com a ausência de felicidade, mas com a constante lembrança e dúvida. Enfim, não sei quem é o autor. 

"Não quero entrar em longos devaneios, e nem romancear demais, acabando por desenvolver aqueles sintomas tradicionais de quem acha que deve fazer um telefonema, mas não lembra direito do rosto da pessoa com quem quer falar. Muito porque sou um ás em colocar rostos fictícios em corpos de pessoas reais, em repassar na lembrança imagens violentas de um amor inventado, e sempre acabo vivendo todo o romance e sua sequência de fatos dentro da minha cabeça, sem conseguir ver que lá fora tudo ocorre como num desastre."

domingo, 20 de janeiro de 2013

Verdade

Primeiramente, gostaria de deixar claro que esse será um outro adeus. O que torna tudo um pouco mais difícil.
Só sei que não posso, ou melhor, não quero mais continuar vivendo dessa maneira.
Que não quero mais que minha vida gire em torno de coisas tão são importância.
Que não quero que os meus dias sejam tão vagos com tanta informação e pouca essência.
Que, só depois de algum tempo longe das pessoas que eu amo, percebi que passo pouquíssimo tempo com elas quando estamos juntas e que me isolo o tempo inteiro, sem perceber o que acontece a minha volta e o que acontece com a minha própria pessoa.
E, hoje, depois de ter os olhos inundados em lágrimas cheias de sentimento e verdade, decidi mudar o meu caminho.
Acho que demorei tanto pra entender isso tudo porque sempre tive a necessidade de descobrir tudo sozinha, mas tudo bem, antes tarde do que nunca.
Tem uma vida inteira lá fora e não quero mais ignorá-la.
Cansei de conversas sem palavras e sem olhos nos olhos, cansei de viver de aparências e, principalmente, cansei dessa minha alma preta e branca.
Eu vou em busca de coisas que me façam bem, mesmo que eu tenha que cortar coisas que eu julgava importantes.
Enfim, estou me desligando das redes sociais, embora não esteja jogando fora as amizades que fiz por conta delas.




"Não alcançamos a liberdade buscando a liberdade, 
mas sim a verdade. A liberdade não é um fim, 
mas uma consequência."

Então... adeus! I now walk into the wild.


terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Medíocre, egoísta e seu

A verdade é que eu não sei mais o que quer dizer "verdade".
Que eu me perco por entre palavras fora e dentro de seu contexto.
E que toda vez em que eu abro as janelas, espero te ver passar com aquele seu guarda-chuva verde e um sorriso convidativo que costumava me deixar aliviado.
Não me esqueço daqueles dias incríveis e nem daquela vez em que você cruzou a esquina, me viu, se aproximou e lançou sobre mim terríveis e verídicas palavras que irão me perturbar para o resto da vida.
"Não espero algo grande de você. Seus gestos e atos escancaram a verdade: Você vai ser sempre um solitário. Você cria ilhas para si próprio na esperança de que alguém se convença a viver como você. Acreditar que o mundo é perigoso demais para novas aventuras e que os seus discursos medíocres são a palavra de Deus. Eu sou a nova vítima, não é mesmo? Te digo uma coisa: NÃO. Comigo não. Eu quero a liberdade e estou cansada de esperar por dias melhores. O melhor pode estar diante dos seus olhos desde que você nasceu e eu sinto muito se você tem a capacidade de ignorar isso".
Depois, você  se virou e foi embora por aquela avenida, de repente tão silenciosa. Eu podia te alcançar, mas de nada adiantaria. A chuva começou a cair e, de longe, pude ver um guarda-chuva verde se abrindo. Me lembro de continuar parado ali por horas, que pareceram intermináveis, e de que "Helter Skelter" dominou meus pensamentos e se tornou responsável por meus atos.
Quebrei os seus frascos de perfume que estavam na minha casa enquanto torcia para que você os pedisse de volta. Não aconteceu.
Queimei aquela gravata imbecil que você me deu para que eu parecesse um "cara de vinte e poucos responsável e de boa aparência". Responsável e de boa aparência é o caralho!
Eu nunca fui como você, alguém que vai em busca dos sonhos e corre atrás dessa ilusão chamada felicidade. Mas a maioria das pessoas também é como eu. Por que é que isso me tira o direito de viver em paz? De te ter aqui comigo?
Eu espero que você consiga voar para longe e se realizar. E que, quando chegar lá, lembre-se de mim. De que, ao menos,  fui um modelo do que você não queria ser.
Mas, se, por acaso, suas asas se quebrarem e nada der certo, saiba que aquele velho apartamento na Bela Cintra vai estar aberto para você e que poderemos tomar aquelas cervejas enquanto cantamos musicas do Joy Divison e Smiths, do jeitinho que era antes. Toda aquela mediocridade que eu adoro (e espero que você também).