sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Ser sem ter

Eu tinha um violão desafinado, lápis mal apontados e bloquinhos de papel.
Tinha também uma janela redonda que dava de frente pra uma avenida movimentada. Eu tinha um mundo diante dos meus olhos e outro na palma da minha mão.
Via uma vida com a qual eu não concordava e, ao meu lado, uma alma que eu entendia e de quem eu gostava.
Na mochila os anos passados que, um dia, tiveram a chance de voar para alguém, já eram apenas memórias engaioladas que, quando revividas, se tornavam vítimas de comentários daqueles angustiados que diziam ter vivido "os bons e velhos tempos". Tempos remotos, mas, de tão bons, eram esquecidos com a ajuda de um controle que, surpresa!, também era remoto.
Em um dicionário surrado esperavam palavras diversas e seus significados que se revelavam nada. Eu achava que aquelas 1000 páginas estáticas de palavras existindo sozinhas jamais chegariam aos pés daquela carta de amor, curta e com muito menos palavras, que tirou o sono e o chão de alguém. Pai dos burros? Com certeza não. Só pai lavras solitárias.
Finalmente, deixando de lado o ceticismo que eu deixei me dominar, e talvez até me cegar, fui.
E era, sim, o nascer do Sol de uma vida. Sabia que, em determinado momento, ele voltaria a se pôr e eu teria de aprender a andar no escuro. Mas era isso que tornava tudo tão especial. Nós somos instantes.

domingo, 22 de setembro de 2013

Real o suficiente pra ser imaginário

Eu lembro de quando a gente se conheceu.
Estava lendo meu livro, toda nervosa pra saber o final, e começou a ventar muito, do nada. Eu gosto de quando venta, mas as páginas do meu livro começaram a dançar de um lado pro outro, como se rissem de mim e da minha ansiedade.
Corri pra fechar as janelas e, antes que eu terminasse, você, com um rosto incrivelmente simpático, me pediu "pra deixar uma frestinha aberta... Sabe como é, pro ar circular"
Não pude conter um sorriso largo.
Lembro também do dia em que recebi uma ligação desesperada às quatro da manhã. "Fiz merda, fiz merda".
Quando cheguei foi, novamente, impossível conter o riso. Você, com uma tesoura em mãos e olhos que gritavam por socorro. Havia cabelo por todo o chão e, antes que eu perguntasse qualquer coisa, você disse "Tentei ter um cabelo como o da Amelie Poulain ou do Julia Casablancas. Pareço um boneco de vudu". Antes que eu pudesse ajudar o despertador tocou.
E é só o que me lembro. Por isso ainda tenho dúvidas sobre você ter realmente existido ou não.
Minha cabeça já desenhou muitas coisas que os meus olhos nunca chegaram a ver.
Via o teu rosto de vez em quando, quando ouvia uma música um milhão de vezes e começava a criar novos significados pra ela enquanto ela me trazia diferentes sentimentos.
Talvez eu não faça questão da sua existência. Talvez não, eu não faço. Nunca foi amizade, nunca foi amor. Foram coisas pequeninas que fizeram meus dias felizes por pelo menos um segundo.
Com você eu aprendi que posso me fazer feliz. Mesmo que não me ame e não queira ser minha amiga. Mesmo que fale sozinha e que eu seja você. Mesmo que me sinta triste e que procure saídas de emergência. Mesmo que tente ter um fim, você não vai sem mim.

sábado, 14 de setembro de 2013

Tempos de colheita

Eu vou passar o resto da minha vida vivendo as minhas ilusões e, antes que você tente me dissuadir, eu não quero saber de realidade nenhuma. Realidade é você quem faz.
E se, por acaso, eu me perder entre tantos devaneios, deixe que seja assim. Deixe que eles se percam e se prendam em um nó impossível de desatar. Assim, estarão sempre ligados. Talvez não em harmonia, mas, sinceramente, para quê eu ia querer que estivessem?
Em mar calmo não se pega onda e mentes curiosas de almas expansivas precisam de algo a mais para que continuem a voar.
Mas, por Deus, era tanto pecado e tanta virtude que resolvi me basear pelo Sol e solmente por ele, que ilumina tudo, talvez não com a mesma intensidade, mas de acordo com sua necessidade. E foi assim, de um modo dourado e revigorante, que eu tive certeza de que estava certa.
Sei, sim, que me farão perguntas a respeito da solidão, mas a verdade é que sozinha eu sempre me senti. E acho que isso faz parte da natureza humana. Nunca conheci alguém que se sentisse completo o tempo todo.
Faço isso por amor, que fique claro. Porque sei que não há maior prova de amor do que simplesmente ser. Amor não tem forma, não tem padrões. Amor não tem realidade.
Na minha insanidade eu vou plantar o que eu quiser até crescer e virar felicidade.

sábado, 7 de setembro de 2013

Terça-feira

Pedi desculpas, mas não por estar arrependida ou por sentir falta de algo ou alguém. Pedi desculpas porque me acostumei a alimentar o orgulho de outros e deixar com que me devorassem pouco a pouco. O mais difícil, na verdade, era manter o sorriso no rosto. Primeiro porque meu aparelho me incomodava e, segundo, porque eu queria mesmo era vomitar nos sapatos novos deles. Deixei passar. Mais uma vez, deixei passar. Deixei que os sapatos voltassem intactos para casa, deixei que aquele oceano de palavras virasse um tsunami e deixei que ele me afogasse, até que me arrastassem para areia e eu percebesse que ainda estava naquele mesmo bairro, com as mesmas pichações nos muros, as mesmas velhinhas voltando da missa e dando comida às pombas, o mesmo mendigo falando sozinho, os mesmos quarentões de barbas mal feitas no bar da esquina, a mesma loja, aberta, vendendo coisas desnecessárias e eu, ali, indo fundo, questionando o mundo. Reclamando do fato de tudo ser igual sem fazer grandes coisas para que fosse diferente. Cantarolando uma música da Elis Regina fazendo, assim, com que me sentisse genérica. Solitária, como todo mundo, porém não em silêncio.