sábado, 27 de dezembro de 2014

Já que as pegadas fazem cócegas

Quem se ajoelha, recorre à força maior e ali se estira sentindo o peso que o corpo (tão pouco!) traz, talvez entenda as minhas meias palavras.
Madrugada de dezembro: o calor escorre nas costas, o rio transborda às portas e os pés continuam percorrendo o caminho já trilhado por todo o mundo. O trote não é suficiente e os tropeços escancaram: rua sem saída e rio assoreado. 
Dos teatros ganhei Vivaldi e as quatro estações, dos botecos ganhei cartola e todas as emoções, mas, pensando nas coisas como são, nos acontecimentos que batem à porta sem ser convidados e em como não há a possibilidade de simplesmente bater a porta na face do recém chegado, as línguas gritam "inusitado!" enquanto os crentes pregam: premeditado. Indago o enfado e rimo calado sem nunca saber o que faço.
O que vem pode ser recebido como perfuração ou como abraço. O encontro jamais é calejado. 
Entre a roda da fortuna e a roleta russa a diferença é o modo de olhar. Se aquieta quem entende ou tem algo a perder. Quem deixa entrar o alvoroço, enfrenta. Peita e diz que pode ou chora e, enfim, perde.
Viver é veludo.
Gritaram meu nome, mas eu nunca soube que era eu.
O tempo inteiro eu era todos.

sábado, 6 de dezembro de 2014

Elena: Seu reflexo

Éramos três.
Éramos mais.
Éramos todas, mas éramos tortas.
Éramos, sem mais nem menos.
Por isso, quando me batem à porta perguntando se atravessamos eras, conto da janela, de como ela não tem trancas e é desnuda de formalidades. Também conto do pão de queijo e do café preto. Aproveito, puxo uma cadeira, pego o jornal e conto dos escândalos do metrô e da Petrobrás, dos filmes em cartaz... mas você já não pode ouvir... não conseguiu ver nada disso e, embora as fantasias façam crer que você e o seu misto de esplendor e simplicidade pudessem prever isso tudo, ou quem sabe criar coisa muito melhor, não existe agora. Não tem instante. Isso dói.
Mas éramos três. Não a deixaríamos na estante: eis o veredicto.
O asfalto queimava os pés que dançavam, as luzes ardiam os olhos, que então fechavam, mas as mãos continuavam tateando, procuravam o contorno do seu rosto. Os lábios ainda queriam o seu gosto, o suor das bochechas de dias cansados e os diálogos...
Não sou pedra.
E o coração? Pesava 300 gramas e carregou o mundo inteiro. Me pôs nos ombros, me deu carinho... depois me pediu pra descer e ir brincar. Disse que depois me veria em vários outros sonhos.
Acontece que éramos três e havia a promessa de nunca mais olhar no espelho. Assim, os contornos e traços antigos foram retorcidos, distorcidos e remoldados. Nos deram rugas e olhos fundos "como os de passarinho", alguém mais tarde diria, e nós nos encarregamos de nos afogar. Em cachaça e águas límpidas. Em palcos, arenas, livros e poesia.
Os pés, ainda assim, dançavam.
Te amo, Elena. Sinto saudade todo dia.
Com amor, como sempre...

domingo, 23 de novembro de 2014

Hoje é domingo, pede carinho

Era manhã de novembro. As casas já estavam enfeitadas para o natal, o jornal estava no escaninho e, na sala, Caetano Veloso cantava qualquer coisa. Havia também quem cantasse a novidade e o fruto proibido.
Eu confundia as letras, trocava céu por sol e me espantava por me identificar tanto com os quadrinhos no fim da Ilustrada. Eu geralmente não os entendia. Colei todos no meu caderno de memórias.
Me despedi do livro que havia terminado de ler no dia anterior com um abraço e, embora soubesse que aquele era um gesto um tanto quanto... peculiar, só queria agradecer por ter me tirado da minha realidade quando o dia-a-dia fez cara feia. Dá-lhe, Nelson Motta!
Naquela manhã, dei-me por satisfeita simplesmente por não mais querer parafrasear uns tais versinhos do Leminski*.
Decidi que me encontraria com a Paula, aquela que amava demais, entendia meus olhares e ria e chorava como poucas. Também queria dançar com a Luiza até os pés doerem e o suor escorrer pela testa, mas, antes de mais nada, diria ao Marcos que o amava e que a saudade era demais.
Olhei o relógio e me assustei ao ver que não era mais manhã. Descalcei os chinelos e corri pra'quela tarde que prometia ser uma delícia e que, como esse textinho, não queria saber de moral no final.

*eram eles:
"lendas vindas
das terras lindas
de orientes findos

me façam feliz
feito esta vida não faz"

sábado, 22 de novembro de 2014

Cousas de ovni

Das cousas que nos abrem os olhos: o mau humor do despertador, o "já!" do pique esconde e a descoberta de que não é amor.
Das cousas que nos enchem a boca: os palavrões quando finda o horário político, a pipoca durante os trailers e a voz quando há tempo para nós.
As cousas, as cousas... Jamais se pode dizer "oi" a elas. Revelam-se foscas diante do olhar.
E quando as cousas obrigam-nos a deixar de ser maniqueístas?
Trazem em massa a escuridão, mas dão o privilégio de ver a lua.
A noite é escura pra que a imaginação não precise de olhos.
Acredita em mim, filho, porque eu posso não conhecer todas as cousas, todas as causas e todas as quedas, mas não basta ter uma vida imensa para ter uma vida inteira.

sábado, 1 de novembro de 2014

Antes de pular da janela

Bom, eu realmente tenho algumas considerações a fazer.
Na verdade, não são só algumas. Eu poderia até escrever um livro, se as editoras não fossem tão difíceis.
De qualquer forma, soa mais romântico ser numa carta.
Vocês podem publicar depois, como aconteceu com Kafka.
Mas, por favor, não usem fotos feias minhas nas capas dos livros como fizeram com ele. Principalmente naquela da edição de bolso de A Metamorfose que vende em qualquer banca.
Por Deus, não! Consigo imaginar Franz franzindo a testa e dizendo "que porra é essa?"
Tá certo, tá certo, é brincadeira. Podem usar uma ilustração do Zé Otávio. Esse cara é incrível. Queria colar os desenhos que ele fez do David Bowie e da Marilyn Monroe na minha cara pra nunca mais me chatear ao olhar pro espelho.
Tudo bem, este pode ser o prólogo. Podem colocar aquele poema do Roberto Reis no fim. Aquele que fala da sombra das árvores alheias. Eu tinha pensado na música Here comes the sun, dos Beatles. Mas achei que talvez soasse muito como aquelas homenagens pra artistas no Domingão do Faustão. Deus me livre.
Então, é. Eu sucumbi à queda livre e sei que as pessoas me acham fraca e que Deus não me ama mais. Mas, poxa, Senhor, assim tão rápido? Quer dizer que não era amor? Era tequila? Que isso, que absurdo!
Acontece que o vento no rosto sempre foi minha sensação preferida no mundo todinho e não tem jeito melhor de, não só estar perto disso, mas fazer parte de verdade.
Talvez num simulador da NASA, mas, gente, quem aqui está falando de flores de plástico?
Eu acho sim que fui uma pessoa forte. Que sobrevivi ao bug do milênio, à gripe suína, ao ano de 2012 e, até o presente momento, ao ebola.
Sobrevivi até quando bati a testa na quina da porta e minha avó colocou pó de café achando "que era drama de criança". Gente do céu, sobrevivi a um show do Calypso e à reeleição do Alckmin. Eu sou mesmo uma super heroína. Em todos os sentidos que a palavra oferece. Que delícia, que tragédia.
Mas sobreviver pode ser tão vazio... Ora, ela sobreviveu a um acidente de carro. Perdeu a filha e o marido, vive a base de remédios e já não canta de manhã cedo. Mas sobreviveu, então tudo está uma maravilha.
Ele, por outro lado, sobreviveu a guerra do Vietnam. Se viu matando gente inocente no reflexo do olhar dessas pessoas, perdeu muitos amigos e tem pesadelos todas as noites. Sabe como o silêncio do escuro pode muito bem virar explosão.
Mas e vocês, hein? Sobrevivem todos os dias ao cotidiano. Sobrevivem trabalhando em empregos que detestam, sobrevivem vendo um pouquinho de esperança ir embora ao final de cada dia, sobrevivem a corações partidos, às tempestades em Santa Catarina, à falta d'água em São Paulo e ao preconceito com o nordeste.
Vocês sobrevivem sem dar ouvidos às notícias que anunciam que, mais uma vez, um garoto abriu fogo contra os outros alunos em um colégio nos Estados Unidos.
Sobrevivem aos traumas, aos dramas da TV, aos maços de cigarros diários e à bebedeira dos fins de semana.
Sobrevivem sem saber que seus filhos sofrem bullying (podem inserir aqui os nomes reais desse dito cujo: gordofobia, homofobia, racismo, intolerância religiosa, machismo e todas as outras formas de aversão e violência ao que as pessoas simplesmente são).
Vocês sobrevivem calados e são, na maior parte do tempo, infelizes. Talvez não escancaradamente tristes, porém infelizes.
Mas, gente, eu não sou Nelson Mandela ou Madre Teresa. Gostaria, mas não sou.
Eu sou supérflua em um mundo transbordando sete bilhões de pessoas.
Eu tenho nojo por me permitir estar presa à tantas futilidades e ser tão mesquinha, por mais que tente provar o contrário.
Também não sou Luiz Carlos Prestes nem Gabriella Jude.
Não tenho causa e não me sacrifiquei por nada.
Gente, eu me sinto sozinha o tempo inteiro e eu sempre tive mais do que mereci.
Eu fui à lugares maravilhosos, vi o mundo do alto, sempre estive cercada por pessoas bonitas ou interessantes e frequentei as melhores escolas. Eu tive amor e foi imensamente verdadeiro pra mim. Eu tive festas de aniversário, ataques de riso, muito carinho dos meus pais e uma casa muito bem decorada e confortável.
O que é que me falta? Por que nunca me basta? Nunca é suficiente!
Piora saber que não melhora com o tempo.
Crises de choro e desespero. Não tem porque. Não tem por quem.
Os vizinhos já ouviram os gritos mais de uma vez, mas continuam a ser simpáticos enquanto esperamos o elevador.
Os amigos sabem que alguma coisa não está bem, que nunca esteve, na verdade, mas também sabem que é mais eficiente me levar pra dançar.
E antes que me perguntem, digo em alto e bom tom: valeu muito a pena. Eu vi o sol nascer, comi neve, escalei pedras, li poesias que me fizeram sair correndo pela casa, dancei por noites inteiras, aprendi a tocar violão, estudei em uma escola Waldorf, vi algumas das minhas bandas preferidas ao vivo, andei de bicicleta na rua sem cair e, acima de tudo, eu amei.
Amei muito. Amei todo mundo. Amei, amei, amei.
Não tenho mais o que dizer. Só peço para que ninguém guarde mágoas nem coisas que não são usadas.
Joguem tudo fora, ou entreguem pra quem precisa. Basta de acúmulo e basta de culpa!

Com amor, como sempre, Jami.

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

O incrível caso do desaparecimento de ninguém

Pela manhã, quando pediu que eu a levasse para casa, já havia sucumbido ao desencanto.
E a quem se pode culpar, não é mesmo?
Lembrei-me, então, da quantidade de ideias que tomavam horas de conversa e não davam dois dedos de verdade e das vezes em que implorei silenciosamente para ser surpreendido, mas me contentava com esperanças de uma próxima vez.
Pensei em todas as vezes em que tentei traduzir todo aquele emaranhado de sentimentos, que me parecia até bonito, em versos e acordes. Nas vezes em que eu a procurava no dia a dia e nas capas de revista. Nunca houve resposta, nunca houve reação.
De qualquer forma, não quis atribuir a culpa ao seu rosto.
De volta ao recinto que eu deveria chamar de lar, encontrei meu pai sentado na beira da cama com as mãos no rosto.
Ele me viu chegar, tirou os óculos e se levantou, me olhando com olhos suplicantes.
Observei as rugas fincadas em seu rosto e as olheiras que o sono escasso lhe proporcionara.
Senti pena, mas, por um breve momento, também senti raiva.
Diante disso tudo, não pude deixar de me sentir pequeno. E mísero.
Meu pai falava sem parar, mas eu só conseguia pensar no carpete daquele quarto. Era tão feio! E, embora fosse rigorosamente limpo todos os dias, sempre tinha a aparência suja.
Lembro-me do escândalo que minha mãe deu quando pisei nele com os tênis banhados a lama.
Voltei à realidade quando meu pai começou a chamar meu nome e perguntar se eu faria o que ele havia proposto. Minha mãe estava ao seu lado com as mãos recostadas na bochecha. Não saberia dizer se ela estava cansada ou com medo da resposta. Talvez os dois.
Eu, mesmo sem ter ouvido uma palavra sequer, sabia que um sapato pequeno demais não serviria. E senti muito, mas tudo o que eu pude dizer coube em três letras:
Não.
Desci as escadas tão rápido que nem me vi sair. Também não me vi voltar, nem com o passar dos anos.
E nunca mais me encontrei. Ninguém o fez.
As pessoas sentiam pena e até se preocupavam, mas, no fundo, davam graças a Deus.
Eu também.
Deve ter havido um dia em que comecei a sumir, ou talvez tenha sido brusco e de uma hora pra outra, mas já não me via em mim mesmo há mais tempo do que seria capaz de contar.
Morri.

terça-feira, 14 de outubro de 2014

A vida é vice

A vida é vice
e se você se vise agora...

Se vista,
invista,
leia na revista
e aproveite a vista.

Pode pagar com Visa,
mas tem que ser à vista.

Vinde pastorinhos
e vende o que puder

é vintage
é a vontade
tem vantagens
e condições viáveis

Não viaja,
você já não tem vinte
usa viagra
toma um valium
é tudo válido
mas não vacila

Vertigem
invalidez
velhice involuntária
velório.

Um vitalício quase lá.

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Se tivesse cheiro, seria de baunilha

Ô, preta!
Deixa eu te contar, vem aqui...
Eu tava vendo umas fotos e me deu uma saudade daquelas que apertam.
Eu sinto falta de andar por aí fantasiada e acreditar nas minhas fantasias todas.
Eu morro de saudade dos bailes de carnaval, de jogar confete e chorar (por cinco segundos) com a espuma no olho.
De sempre querer ser ladrão no polícia e ladrão, do esconde esconde, de correr por aí e me achar capaz de tudo. Sinto saudade de quando eu era algo pra se ter orgulho. De quando quem estava ao meu redor era sempre só sorrisos. Das tardes e das quedas de bicicleta, do conforto do sofá e do cartoon network, da lambança do sorvete, do heroísmo dos meus pais, do mundo como um lugar cheio de cor
Eu me fazia feliz porque não havia outra possibilidade pra mim.
Era só ser feliz, Diniz. Nada mais, nada de mais.
E agora, quando me pego entre o abismo da janela e o conforto e o sufoco do meu quarto, me pergunto, aonde é que eu fui parar?

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

A idade na cidade

Pés, anéis e senhores bacharéis
pressa sem apreço
nomes sem qualquer fisionomia
a vida ausente de filosofia
e tanta gente carente de endereço

Gritarias de muitos decibéis.
Durante o dia a cidade treme,
cai a noite e a gigante teme
Chegam e-mails e navios negreiros
e os beija-flores sobrevoam o lixo
sem entender os lixeiros em greve
e as promessas que dizem "em breve"

Passam janeiros e fevereiros
o subúrbio invade o nicho
morrem bombeiros e senadores
tocam os telefones
trocam os telefones
e minha terra já não tem palmeiras

domingo, 7 de setembro de 2014

Aqui já

Quem quer ter uma morte gloriosa?
Quem quer o drama? A honra fajuta?
Quem quer virar herói? Quem quer virar santo? Mártir? Deus?
Quem acredita nessa transição invisível? Por quanto?
Dizem que é tudo em nome da memória, mas acho que todos têm Alzheimer.
Não só aumentam pontos: criam novos contos, inventam virtudes e invertem valores.
Eu vaiaria a vocês todos e vaiaria a mim também. Não se conserta o incorreto vestindo-o de inexistente. Quem consente com a mentira pede bis.
E o tempo é gasto com a saudade do que nunca houve de fato.
Ouçam, não há mal algum em relembrar bons momentos. O perigo mora no ato de tentar convencer os outros e a si de que a vida de um terceiro (talvez quarto, ou quinto, ou sexto) foi como uma aparição divina. Não ponhamos máscaras em quem teve a beleza de ser. Se continuarmos nessa direção, andaremos em círculos para sempre.
Devemos nos dar flores antes de nossos enterros e dizer palavras bonitas em dias além de aniversários.

terça-feira, 26 de agosto de 2014

A tristeza que eu não conhecia

Tenho medo de estar ao seu lado amanhã de manhã.

Você procura alguém que esteja contra o mundo com você.

Eu não vejo porque estar contra o mundo porque o acho um lugar sensacional. Nem mesmo o meu amor pelos anéis de Saturno me tiraria a vontade de morar aqui.

Você acha que as pessoas são cruéis, ruins.

Eu não. Meu professor de Filosofia cansou de me dizer que o meu erro é sempre partir do princípio de que as pessoas são boazinhas.

Eu não acho que as pessoas sejam boazinhas (nem acho que "boazinhas" seja um elogio), mas acho que elas são capazes de amar e, por amor, fazem todas essas cousas enojáveis. Talvez estejam amando as cousas erradas. Talvez não devessem amar cousas.

A essa altura você já deve estar morrendo de tédio e achando essa leitura um clichê com gosto de chiclete de morango artificial. É por isso que não gosto de falar de amor. Porque nunca sei o que dizer. Acabo gesticulando com as mãos como uma louca e esperando que as pessoas me entendam mesmo com a ausência de palavras corretas.

De nada adianta tentar ser como aqueles quadrinhos que começam com a frase "amar é..." e terminam com alguma cousinha boba que, de fato, é uma prova de amor, por mais insignificante que possa parecer.

É que é chato ter de provar tudo. Hoje mesmo, abrindo meu e-mail, tive de provar que não era um robô.

Ora! Amar é. Ponto final. Amar é em todas as eras que já se passaram e será amor nas eras que estão por vir. É amor em Era, Atenas e Afrodite. Amor em Hades, Áries e Mercúrio. Amor em Zeus, Deus e Jesus Cristo. Maomé e Hare Krishna, Shiva e Yemanjá. A virgem Maria e Joana d'Arc, o Faraó e Siddhartha. Yara e os guerreiros de Esparta.

É amor em Roma e na favela da Rocinha.

Um amor sem cor, sem nome ou endereço. Um amor que diz, sem medo ou por entre os dentes, "preencha-me e eu serei alimento".

Eles estão cegos porque veem o amor em papel, eu não estou completa porque anseio pelas respostas das perguntas erradas. Que seja por amor, mesmo que haja dor.

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Contracapas

"Quando te esperei na porta do hotel e você não veio, 
Lembrei-me que a noite estava linda, repleta de estrelas e havia uma semi-lua que mais parecia uma moeda semi-enfiada no cofre da noite.
Lembrei-me que a metereologia prometia sol e que eu trouxera meu biquini.
Lembrei-me que eu queria ler ainda tantos livros... lembrei-me que eu poderia escrever...
Lembrei-me que havia alguém pra eu encontrar amanhã...
Lembrei-me dos tantos amigos que me rodeavam...
Lembrei-me que adoro cerveja... mesmo que engorde.
Lembrei-me de afofar o ninho do peito e abri-lo para que pouse um novo pássaro amoroso."

Kátia Diniz
08/11/1986 - Ribeirão Preto

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Sucesso

Querem privatizar o oceano.
Eles o têm vendido como um quadro na parede pra visita ver a vista (também pode ser cartão de crédito) e ai de você se não se enquadrar!
Erguem-se, então, os gigantes de concreto, amontoando-se por uma parte do azul como os paparazzi que pedem um pedaço da celebridade loira. Capa da revista hoje, banheiro do cachorro amanhã.
Cobra-se pelo barulho das ondas do mar, pelo bronze dos beijos do sol, pelo vento no rosto e por um lugar na sombra (pista, pista premium, camarote).
Não que isso impeça as árvores de serem derrubadas, o esgoto de ser lançado ao mar e o preconceito pela pele.
A lei da oferta e da procura pode ser bastante vantajosa quando tudo é raro, tudo é VIP.
Vendemos os negros e os índios, pagamos os dízimos, queimamos as bruxas, pedimos perdão pela fofoca e o tesão, nos arrependemos dos três cheeseburgers do almoço, compramos um carro flex e pagamos dois reais pelo etanol, cobramos as boas notas dos nossos filhos e a dedicação de nossas esposas de seios fartos e nos cobramos por salários mais altos do que o do homem da sala ao lado. Assistimos ao futebol na quarta-feira e compramos a cerveja da ex-BBB. Respeitamos a todos, temos até amigos que são. Vamos levar toda família pra Miami no verão.
Almas perdidas, ideais prostituídos, somos todos rapazes bem sucedidos.

segunda-feira, 21 de julho de 2014

By the eyes of the one who's got a ticket to ride

What is this honor that tears apart mothers and sons?
What's this honor that makes them die before they get to know their ideals?
I bet you always think about those long and lonely nights.
The other day I saw this homeless guy with a sign "Vietnam vet. It wasn't my idea". He seemed extremely disturbed. Two days later, on a boat for Staten Island, I saw a fat man speaking loudly and wearing a T-shirt "Proud Vietnam vet". In both cases, they survived. In both cases, I ask you, is this the glory you were seeking?
I come from a different culture, my morals are different and I may never understand, but it doesn't mean I won't try.
What is this love for guns? What is this fake freedom? Why are you saying that war is over?
It may be far from your eyes, but other people's sons are never going home again. It may be far from your ears, but that doesn't make the screaming stop.
I don't want to label anyone as the bad guy or the hero, because I just don't understand why are we pointing fingers when we should be holding hands.
America, or should I say, The United States is a free country, as long as you're not black or foreign.
I must remind you, guys, that most of the native american indians are dead and life began in Africa. We are all black foreigns.
I don't want to offend anyone (though maybe I should) because I came from a beautiful country with amazing people, but most of them is blind. And maybe I am too. Maybe so are you.
I can't say Brazilians are my people, because the human race is my people.

sábado, 19 de julho de 2014

Previsões de um infeliz

"Você vai morrer como Anna Karenina." Ele me disse, sem fazer o menor esforço para evitar que o veneno pingasse no chão recém-limpo.
Sabe, eu vou mesmo morrer. Mas morro com meu nome, sobrenome e hábitos ruins. Histérica e solitária, é verdade, mas ainda a personagem principal de tudo aquilo que você gostaria de ter vivido.
Autodestrutiva, mas não insana. Bem que eu gostaria. Não fui capaz de desistir da realidade.
Cheia de crenças, quem diria! Acreditei em lugar melhor, perdão e na mudança. Acreditei em amores que jamais chegaram ao meu íntimo e em palavras que não fizeram a metamorfose da ação. Acreditei até não saber a diferença entre crer e criar.
Nos trilhos do trem ou nos livros de História, espero que ainda viva na memória. Ou que descanse em paz, finalmente!
É que se acaba sem salva de palmas e botão de rosa, a gente tem medo de ir embora.
Se não tiver bar, cerveja e prosa, perde a graça e a noite não passa loguinho.
Mas, principalmente, se não tiver quem segure as mãos geladas e se espante com as cicatrizes que eu tentei esconder, não tem porque(m) temer.
Caminharei, então, na direção do destino, que não me aguarda porque sabe que me tem. Em fila indiana, porque não sou a única a fazer essa opção.
Nunca houve outra.
Histérica. Solitária. Porém certa.

terça-feira, 8 de julho de 2014

De cima do telhado

Há tantos quilômetros de distância entre nós que me irrita o fato de eles insistirem em transformá-los em milhas.
Alguém outro dia me parabenizou pela "minha" coragem e disse que é incrível o fato de eu voar tão alto com tão pouca idade.
Acho que todo mundo sabe do meu desejo por ser passarinho, mas, ora bolas, gosto muito do chão também. Gosto de pisar descalça, da lama entre os dedos, do barulho das pedras, da temperatura do mar.
Gosto da Terra com letra maiúscula e sem. Gosto do fato de sermos falhos e humanos. Gosto de estarmos destinados a cair sempre, mesmo que tentemos disfarçar o inevitável.
O vento no rosto é minha sensação favorita neste mundo, e não há melhor maneira de obtê-la senão estando em queda livre.
O nome já diz tudo, não? Livre como um passarinho, mesmo que na direção oposta.
Por que é que eu gosto de cidades grandes, com gente saindo pelo chão e se espremendo pra caber? Pessoas lutando por um lugar na fila do banco, no vagão do metrô, no camarote do show, na arquibancada do jogo e nas esquinas da vida...
Talvez seja pelo mesmo motivo pelo qual eu nunca calo a boca.
Eu tenho medo do meu silêncio, porque tenho medo do que ele me faria ouvir. Eu não caibo em mim e, embora já tenha culpado muito os Deuses que me fizeram assim tão deficiente de forma, hoje em dia, eu gosto. Gosto porque eu me esparramo pelo mundo. Se eu não tenho forma definida, posso ter todas as formas que quiser.
É como os brasileiros que acham que o que é público não é de ninguém, quando, na verdade, é de todo mundo. Ah, filhos da pátria, não se deixem transformar em filhos da puta.
Olha aí, agora mesmo tem um pôr do sol fazendo espetáculo na janela e é de graça até pra quem não tem um cartão de fidelidade ou uma janela. É de graça porque é uma graça divina (mesmo que eu ache essa palavra muito tia velha).
Olha aí, não é nada que eu não tenha visto antes, mas poder andar sem destino e simplesmente me doar às sensações, faz disto aqui um outro planeta, mesmo que no mesmo continente.
Como é que se exporta isso, hein? Porque eu me importo muito!
Quanto àquelas coisas que eu julgava inexistentes, sinto-me como uma desbravadora, mesmo que diante de olhos surpresos e risinhos. "Oh, you didn't know that?". Chiquinho e Katinha já diriam "tanto mar, tanto mar".

quarta-feira, 2 de julho de 2014

9753 m

Ei, mãe, agora é noite.
Estava lendo Bukowski, até perceber que ele me deixa pra baixo e indiferente. Então, peguei os guias de viagem e vasculhei outros lugares para visitar.
Saber que me perderei em cada cantinho do desconhecido me faz muito feliz.
Um americano que está sentado na poltrona de trás chutou o meu acento e murmurou mal humorado "turn the lights off". Babaca. Só apaguei as luzes porque meus olhos realmente estão se escondendo por trás das pálpebras.
Ainda assim, não consigo dormir. É muita coisa incrível pra imaginar e é uma dor imensa te deixar sozinha em um momento como esse.
Ri baixinho da brincadeira de pega pega que o sono faz comigo. Ele sempre fugindo e eu sempre guardando caixão. Acho que não sei brincar.
Agora todos dormem. Encosto a cabeça na janela geladinha e, meio sem querer, olho através dela.
As estrelas estão pertinho de mim, mãe. A princípio elas pareciam me convidar pra ser parte dessa galáxia em espiral, mas agora vejo que não preciso de convite. Já sou parte de tudo isso. Mesmo que eu seja ruim, mesmo que não tenha dentes bonitos, mesmo que não saiba cantar. Faço parte e sou poeira cósmica como elas são.
Estamos perto do Panamá e, de repente, me vejo chorando de emoção às três da manhã. Tento limpar as lágrimas com esse travesseirinho que deveria ser o berço dos meus sonhos, mas meus sonhos já não precisam de berço. Estão voando em direção ao novo. E se hoje podem voar, mãe, é porque você fez do teu peito um ninho.
Estou chorando e não sei porque. Estou chorando porque gostaria de ser mais gentil, menos temperamental e mais paciente. Estou chorando porque jamais poderei agradecer o suficiente e, mesmo assim, você não me cobra como poderia. Estou chorando porque sou tão cheia de erros e você me dá toda essa possibilidade de chegar ao maravilhoso. Estou chorando porque, apesar de tudo, não poderia estar mais feliz e isso tudo é toque de mágica seu.
Ah, o americano está reclamando porque acendi a luz pra escrever, mas dessa vez respondi "jo no hablo su lengua, ai caraca".


quarta-feira, 25 de junho de 2014

Doce até mais ver

Pernas pra que te quero nas asas de quem se dá.
Te quero e te quero sem lero lero, sem tititi.
Na roda de samba e com as rodas no asfalto
Melhor ainda se estiver descalço.

Me deixa ser marinheira
nesse mar que me encosta na linha do horizonte
e me chama pra dançar a valsa brasileira
que é a saudade de você

Até que passos mais afortunados
abraçados pela vontade de cantar
Dancem até nós dois
e todo o caos e a beleza que isso gera

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Pulando na balança

Uma rede de supermercados tem como slogan a frase "O que faz você feliz?"
É, de fato, um ótimo marketing porque a pergunta chama a atenção pelas inúmeras respostas.
"Uma boneca da Barbie", "Um boneco de pelúcia do, tão incrível mascote da copa, Fuleco" e "Uma Beyblade" são respostas que talvez invadam a cabeça das crianças, assim como carros, anéis e televisões maiores surgem na mente daqueles que se dizem mais maduros.
A verdade, embora ninguém seja dono dela, é que nenhum ser humano se faz feliz com coisas se não houver a quem mostrá-las ou com quem dividi-las.
Portanto, a pergunta correta seria "Quem faz você feliz?"
 Pessoas como a mamãe, o papai, o maridão, Justin Bieber e a menina nova que passou o Whatsapp, pipocariam os imaginários, mas onde é que já se viu jogar essa bigorna  de quinhentas toneladas, que é a sua felicidade, nas costas de uma só pessoa?
O que, então, deveria ser feito? Dividir esse peso entre várias pessoas? Mas como, se nunca se está plenamente satisfeito com todos? Dessa maneira sua felicidade estará sempre aos tropeços, acontecendo parcialmente e nunca por inteiro. Não se pode ser imparcial em relação a isso.
A verdade, já que ela tem muitas facetas, é que a única pessoa que deve se responsabilizar pela felicidade, é aquela que tem capacidade para aguentar seu peso e transformá-lo numa pena de passarinho. Você mesmo.
Por isso, não se deve colocar outros rostos ou nomes naquilo que impede o sorriso. Alguém uma vez disse que não há caminho para a felicidade. A felicidade é o caminho. Se faça feliz, no resto a natureza da um jeitinho.

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Função de viagem

A tua propaganda se opõe à minha poesia.

Teus verbos no imperativo, ordenando o desnecessário, inibem minhas palavras que

gostam de caminhar descalças.

Esse tal de marketing te distorce como uma casa de espelhos e te tira o que tens de

mais brasileiro: o blá, blá, blá e o beijo na boca. A língua.

Não consinta só porque a moda implora e a mídia controla.

Tens andado tão ocupado em ser receptor que esqueceste a possibilidade de

emitir qualquer reação ou fazer qualquer relação.

domingo, 25 de maio de 2014

Jamile

Desnortear-me é simples.
Basta pedir para que eu responda à pergunta "quem sou eu?"
Em três tempos o riso cala e a facilidade de devolver palavras é substituída pelo ato de dar ombros.
"Não sei. Tenho medo de descobrir."
Tenho medo de ser e tenho medo do ser. 
Vivo, intenso, pulsante. Correndo em busca das palavras certas, mas assustado com os pensamentos podres e indignos que se infiltram na melhor pose, do melhor ângulo, do que finge ser imagem.
Eu sou o pavor de ser declamada em público e o desejo pelas lágrimas de emoção e os aplausos do final.
Sou só Sol, mesmo quando me faço minguante. Crua a lua tua. Só não quero órbita. Me deixe cambalear como o bêbado da esquina que você ignora. Me deixe flutuar como a bailarina de pés feios que você paga pra ver.
Me deixe em paz, mesmo que o silêncio seja tormento. 
Porque eu sou o ímpeto e a mania de explicação.
Agora vem aqui e me abraça forte, com as duas mãos e todo o sentimento do mundo.
Eu sou o A que falta no começo do mar.
E é isso, eu soul. No inglês é alma e no português, sem l, vira nada.
Nada em que a gente nada, mergulha, se afoga e sai voando. 
Eu nunca quis fazer sentido, eu só quero fazer sentir.
Amém (com acento ou sem)

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Em nome do pai

Não te dei meu sobrenome nem me interessei por tuas primeiras palavras.
Por que pensas, então, que me importam as tuas ideias amadurecidas? Ideias que ainda hão de espatifar no chão e cortar-lhe fundo...
Veja bem, garoto, a última vez que tive notícias tuas foi em teu parto.
Eu não estava lá, é vero, mas me disseram que foi um parto difícil. Que teus pés saíram primeiro e tua cabeça insistiu em ficar. Não querias vir ao mundo, moleque. Assim teria melhor sido.
Não te digo isso para machucar, apenas espero que entendas (e, se fores capaz de assim fazê-lo, serás uma espécie rara nesta vida) que não és um fruto do amor. Até porque nunca conheci esse sujeito (inclusive acredito que ele seja invenção desses comunistas malditos!).
Nem ao menos me atrevo a chamar-te de fruto. Um fruto traz algum prazer, não? Tem sabor. És, para mim, uma folha, entre tantas outras, numa árvore qualquer. Uma folha que, mais cedo ou mais tarde, cairá e se perderá em qualquer lugar do chão.
O chão, menino, acostuma-te em ali estar.
Deus me livre que tenhas a minha cara! Não quero um reflexo do que ninguém quer ver.
No fim do dia, não há valor ou ilusão que me impeça de deixar os copos vazios.
No fim de tudo, não há valor ou ilusão que me salve do naufrágio.

quinta-feira, 8 de maio de 2014

Legado

Se eu morrer amanhã, não deixem que me enterrem, pelo amor de Deus.
Mandem me cremar.
Eu sei que parece estranha a ideia de ter o corpo em chamas, mas é justo com quem teve uma vida cheia de "calores do momento".
Me cremem. Depois, joguem minhas cinzas em qualquer lugar em que haja vento forte. Me deixem ser a sutileza e a delicadeza que nunca tive em vida. Me deixem voar pros lugares que eu nunca conheci.
Se eu morrer amanhã, não deixem que minha mãe se desespere. Peçam para o meu pai parar de chorar.
Se eu morrer amanhã e não tiver feito nada que valha a pena perdurar por séculos e séculos, me deixem morrer como alguém que aceitou ser esquecido e espera que, com o esquecimento, venha também o perdão.
Não aquele perdão divino, iluminado e maravilhoso do coração mais leve que a pena. Falo do perdão desses seres mundanos que eu tanto amei e odiei. Das feridas que eu abri, das feridas que eu tentei sanar e de toda gota de sangue ou lágrima que se fez presente.
Se vocês, seres mundanos que poderão então me esquecer, forem capazes de me perdoar, independentemente de quais foram os fatos, está feito o meu legado.
Se eu morrer amanhã, não sintam saudades. A saudade me remete à aquilo que poderia ter sido e não foi. Algo mal resolvido. Mas, se eu morrer amanhã, todo o tempo vivido foi o bastante.

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Quiabo

Há quem sinta necessidade de despejar seu lixo sobre os outros, o ataque como uma função de defesa nessa vingança que busca o prazer no sangue escorrido e seco, há mais tempo do que consigo lembrar.
Há quem se refugie no silêncio, mesmo que depois esse teto desabe. Não se enxerga o tremor de maneira estática.
 E há também quem ria em situações indevidas, por puro medo de não saber como lidar. O toque, o encontro, o temor...
Sem essa busca por certo ou errado, todos têm a sorte e o poder de simplesmente ser, existir.
Sorte essa que há quem transforme em azar, mas esse alguém tem a possibilidade do "há".
Vivo cercada de possibilidades. Fazer algo novo e começar outra vez, olhar pro céu distraída e pisar na merda, andar na garupa na contramão, viajar pra longe e ter medo de voltar, andar no escuro de mãos dadas, mudar o mundo com palavras, cansar de esperar o elevador e ir pelas escadas, fazer rimas toscas sem nem perceber e me jogar no chão sem precisar de porquê.
Se é frustração, se é euforia, se é cansaço... Isso eu deixo ao acaso! Quero apenas o ser.
Isso me basta.
Quiabo.
(Daquele jeito sussurrado pra você entender errado).

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Monstro da meia noite

Em algum momento, aparentemente aleatório, eu percebi que os meus braços eram curtos demais para jogar e meus traços não eram tão agradáveis ao olhar.
E, então, tive medo.
Medo de tudo aquilo que me habita e eu chamo de certeza.
Não sou, nem nunca serei, alguém maior que os meus sonhos. E isso poderia ser bom, mas me sinto presa à tudo aquilo que me impossibilita.
Embora eu encontre caminhos alternativos ou deixe pra lá, há sempre o fantasma do "eu não fui capaz".
Quem sou eu se não o medo de falhar, o medo de morrer, o medo de não ser?
O que eu queria era ser poesia, mas poesia sente prazer no medo de ser declamado e, ultimamente, só tenho buscado pontos de exclamação e aquilo que não me faz perder o sono e questionar a alma.
Acho que sou covarde. Talvez eu não valha nada mesmo, mas eu encontrei os mais nobres sentimentos e não quis vesti-los. Andei nu e cru pelos sete sóis.
Pois bem, há quem diga que esses sentimentos se encaixam em mim de qualquer maneira, mas a simples ideia daquilo que compõe o "Eu" me faz encolher os ombros.
E em que momento a pessoa que não conseguia ficar com os pés no chão virou esse ser que não quer mais ter ambição?
E eu, que não achava ser possível medir alegria, só quero que me baste a mediocridade.
E  Whisky cowboy.

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Kátia

Ei, minha pequena, hoje é teu dia!
Ontem à noite eu passei horas olhando fotos antigas, de um jeito que não se deve fazer nunca.
Aquele jeito saudoso de quem se culpa todos os dias pelos erros, mas gostaria de voltar no tempo e fazer tudo exatamente igual.
Pois bem, durante a sessão nostálgica, uma foto, em especial, chamou minha atenção. Uma foto bem velha, desbotada. Quase sem cor. Era você, com quatro ou cinco anos, de sorrisão aberto. Ainda tinha dentes de leite e o cabelo era clarinho, clarinho... Estava na fazenda. Pensei que esse, talvez, fosse o motivo daquela alegria pueril e contagiante, mas logo vi que estava enganada.
Como toda criança, você queria era ser feliz. Pouco importava qual era a vista da janela, porque você sempre dava um jeito de ver tudo pelo lado bom, mesmo quando o galo cantava na terra da garoa e o céu estava escuro.
O tempo desbotou o verde da grama na fotografia, mas jamais me deixou esquecer o som da sua risada ou as fantasias que você habitava.
O tempo talvez tenha mostrado à você que eu não sou tão forte quanto parecia ser e não estava certa a respeito de tudo, como eu dizia estar, mas ele dançou comigo até quem você é hoje e isso fez valer todos aqueles pisões de pé.
Não gosto de te ver lamentar os defeitos e desafetos. A estrada é cheia de curvas, de nada vale querer evitar marcas. Como eu já disse, a gente se desenha.
Tenho orgulho de você e te amo para sempre. Feliz aniversário.

quarta-feira, 2 de abril de 2014

Alexandre

Alexandre era um rapaz bonito.
Silenciado como as lágrimas de uma amante, ele tinha como consolo os meios sorrisos e as palavras ásperas.
Era muito cheio de si, é verdade. Talvez lhe faltasse aquele espaço que só existe em abraços apertados, mas ele insistia em dizer que não fazia diferença.
Ainda assim, Alexandre olhava para o mundo com extrema curiosidade, implorando para ser surpreendido. Seria triste demais acreditar que tudo fosse realmente fosco.
Alexandre, na verdade, não sabia em que acreditava. Cansou de pedir aos deuses, todos aqueles milhares de deuses, por alguma lógica, algum sentido ou qualquer coisa que pudesse ser sentida.
Ele tinha hábitos tão estranhos quanto seus pensamentos. Passava horas com a cabeça encostada na janela vendo os carros se transformarem em borrões e gostava de fingir que a fumaça de seu cigarro era uma parte dele que resolveu ir ao encontro do tão esfomeado mundo lá fora.
Ah, Alexandre! Tinha tanto medo de ser igual à todas aquelas pessoas vazias e apressadas que se esbarram na rua sem pedir desculpas, que acabou se isolando tanto quanto elas.
Ah, Alexandre! Só queríamos te trazer para onde o amor transborda e a sua voz ecoa até virar canção.

sexta-feira, 28 de março de 2014

Luana

Luana era uma menina de classe média alta e dentes perfeitos.
Gostava de passear com seu cachorro e pintar as unhas.
Luana já não faz o que gosta nem o que desgosta.
Luana está morta e aqueles que vêm se despedir da menina de coração quente, beijam seu rosto gelado.
Pobre Luana! Seus restos mortais têm o semblante tranquilo, mas sabemos que aquelas bochechas maquiadas para parecerem rosadas jamais serão novamente banhadas por lágrimas salgadas.
Pobre Luana! Em seu velório não estava nem metade das pessoas confirmadas no evento do Facebook (nem precisava de nome na lista!).
Atribuem à ela verbos no passado e perguntam se o corpo será cremado ou enterrado.
Pobre Luana! É tudo o que é agora: Um corpo.
Justo ela, que gostaria de ser julgada por seu caráter e não por seu corpo definido por horas de academia...
Justo ela, que desejava à todas inimigas vida longa: Morreu.
Aos pequenos, foi dito que Luana estava em um lugar melhor.
Bernardo, o primo caçula, perguntou se ela tinha ido para a Disney.
Os pais tentaram contornar a situação e disseram que Luana havia ido para o céu, mas Bernardo disse que o avião que leva até Miami também passa pelo céu, ou seja, dá tudo na mesma.
Luana, estendida ali com seu vestido mais bonito e o cabelo arrumado, estava como as flores que a envolviam: Bonita e morta.
E não é terna a ilusão de que ela será eterna.

sábado, 15 de março de 2014

Água da madrugada (e eu, que ainda te amo)

Boa noite, olhinhos!
Hoje foi um dia peculiar.
Acordei resmungando e arrastando os pés.
"Por que isso tudo outra vez, meu Deus?"
Aí, eu andei a cidade inteira. Inteira.
Passei a tarde toda esperando pelo inesperado e olhando pro céu esporadicamente, só pra ver se não tinha nenhuma resposta nas nuvens.
Mas, agora à noite, o breu se desenhou em estrelas e, aqui perto do chão, tinha gente que dizia que me amava e eu, que fingia acreditava só porque sim.
E eu ri e cantei desafinado.
E eu me prometi que me faria feliz.
Porque eu gosto de poesia e ela implora pela rima.
Eu já não imploro por nada. Nem pela chuva ou pelo toque.
Não peço que me levem pra casa mais cedo ou que passem a noite comigo.
Dispenso sobrenome e finjo me esquecer do passado.
Mesmo que me sinta sozinha por instantes insanos no meio da noite, nessa cama que é grande demais pra um só e que era ninho de quem só queria voar de asas dadas.
Então tá,
se cuida.

quarta-feira, 12 de março de 2014

Menina que anda

Um dia desses, num ponto de ônibus próximo à Esalq, um senhor me disse sorrindo:
"Acho incrível esse seu hábito de escrever, menina. Aliás, hábito não, né? Arte. Porque no instante em que você transforma toda a confusão à que vocês jovens são submetidos em palavras, meras letrinhas e garranchos, você as eterniza.
Na verdade, acho que vocês mesmos se submetem à essa loucura, viu? É o encanto de ser jovem. Poder mergulhar em piscina que não dá pé e conhecer à todos os mundos pedindo carona em cada estrada.
É por isso que eu te digo, menina, que tenho 78 anos e sou jovem. Tenho dores nos joelhos e uma filha de 36 anos que me pede para ter juízo e sossegar, mas sou jovem como pouca gente já foi.
Essas palavras que você estava rabiscando em seu bloquinho permanecerão na eternidade. Mesmo que você tente alterá-las ou descartá-las, buscando o dia em que possam ser classificadas como 'corretas'. Esse dia não há de chegar.
Veja bem, menina, não deixe a naturalidade te escapar por entre os dedos.
Talvez as pessoas não se lembrem do teu nome no futuro, mas que importância isso tem, afinal?
Os anos podem consumir seu rostinho liso e risonho, o excesso pode tentar te tomar energia, mas nada te privará daquilo que você não compreende e te faz feliz, senão você mesma."

Foi aí que o ônibus chegou e eu entrei, esperando que o jovem senhor fizesse o mesmo. Assim, eu poderia fazer perguntas. Mas, pela janela, pude ver que ele tinha se virado e estava caminhando devagar em outra direção. Talvez eu não precisasse de respostas, afinal.
Olhando para os chicletes colados na poltrona à minha frente, fiquei pensando em como eu não seria capaz de eternizar só aquilo de que gosto e em quantas coisas ruins já rondam o "para sempre".
Então, olhei para o meu bloquinho e para o que eu havia escrito. Era sobre você.
Sim, sim. Sobre você. Acho que eu nem preciso te chamar por seu nome, porque é sempre você. Mesmo quando são os outros, mesmo quando sou eu, mesmo quando não é ou não há ninguém, estou sempre tentando transformar em você. Tudo em vão, Você é nome próprio.
O meu desespero de correr por aí fingindo ser alguém que não é de ninguém fica no presente, mas a certeza de que o mundo jamais será grande demais para os passos nossos pode viajar para o tempo que quiser pelo tempo que quiser

segunda-feira, 3 de março de 2014

Cabana imunda

Estava passeando por Embu das Artes hoje, até que me deparei com esse mendigo.
A princípio achei a cena engraçada, porque eu também tinha esse costume de brincar de cabaninha quando era criança.
Era meu jeito de fugir da realidade, ou criar a minha própria. Meu pedacinho de terra sem lei, onde o que eu quisesse que existisse, existia. Sem mais delongas.
Não importava se essa minha fortaleza era feita de lençóis e o que mais eu encontrasse pela frente. Era o lugar mais fantástico e seguro do mundo.
Estava lembrando disso tudo, toda nostálgica, até que me dei conta de que não é uma brincadeira para ele. É a sua única opção e, ao contrário de mim, ele não está fugindo da realidade. Aquele mendigo tem mais contato com ela do que qualquer um de nós.
Aquele mendigo, que, depois de me ver ali, olhando pra ele, se escondeu com as mãos, pode dizer, com todas as letras, o quão feia é a realidade quando não maquiada. Como ela mostra os dentes e morde. Como ela se apropria de nós, como ela se transforma em verme.
Então, me perguntei, finalmente: Qual é a diferença entre nós dois? É o berço? A falta de terço? Ou é o contexto?
Meu Deus! falamos o mesmo idioma, mas não a mesma língua!
Meu Deus, meu Deus, meu Deus! Ou será a falta do Senhor?
Podia ser eu!
Uma criança passou correndo ali por perto e eu pude ouvir sua mãe gritando "Sai daí que é sujo, Rafael! Olha o mindingo (sic) nojento!"
Então, cheguei a conclusão de que suja é aquela mulher, que ignorava o filho insuportável berrando por atenção.
Suja sou eu, que me deixo atormentar e, mesmo assim, não tenho a capacidade de fazer a menor diferença.
Sujo é qualquer um que se transforme em parasita, que transforme um homem em mendigo.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Sós

Mulher forte, que caminhava de cabeça erguida e com passo firme.
Mulher bonita, dona dos mistérios que acompanhavam suas curvas bruscas e consciente das rugas que desenhavam seu rosto. Eterna paixão pelo Sol.
Mulher cega, de voz alta e com sede de justiça.
Perdeu a oportunidade de ficar calada e teve de esconder o sorriso largo e encolher os ombros tantas vezes depois.
Mulher descrente, de joelhos apenas por estar acostumada ao desconforto.
Mulher que já não cora e desrespeita o invisível.
Mulher que chora, que desespera.
Mulher que tem conta pra pagar e medo do escuro da rua.
Mulher que adere ao desagradável, que deixa de ser companhia.
Mulher que sente falta do encanto e do acalento, das mãos que lhe deviam segurar.
Mulher no gelado do chão e de voz inaudível. De pernas quebradas, sem brilho no olhar.
Mulher que já não pergunta "por quê?"
Mulher que não é criança.
Pouco se sabe sobre o fim, mas existem aquelas que depositam toda a esperança nele.
Se o dia e a noite não souberam abraçá-las, talvez possa existir um lugar onde as paredes não prendam e não precisem proteger.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Eu não sei fazer síntese

Um dia desses te prometi uma história, nada mais justo.
Eu não faço a menor ideia de por onde começar, mas, antes de tudo, eu te pintaria do jeitinho que você é. Se desenhando por essas ruas abafadas e cheio de sede de mudança.
Mas uma coisa eu faria diferente: Você seria visto como o mocinho. Não que a percepção dos outros seja importante nessa história, mas, pela primeira vez, você mesmo se veria como tal.
Eu sei que a palavra "mocinho" faz tudo soar entediante e vomitável, mas, se quase tudo é cinza, a gente podia fazer essa mistura entre bem e mal sem precisar de uma lição no final.
Tenho bastante dificuldade em descrever seus olhos, sabia? Não sei bem colocar em palavras aquilo que poderia ser desenhado.
Eu gosto dessas ações silenciosas e quase imperceptíveis. Daqueles olhares difíceis de suportar e impossíveis de esquecer.
Não me preocupo com o desenrolar da história. Sei que ela correria fácil, entrando por de baixo da porta e pelas frestas das janelas de quem não se permitiu aquietar ou desistir.
O que me tira o sono é essa necessidade de final. Ele deveria ser feliz, mas...
"Se fosse realmente feliz, não teria um final" eu costumava pensar.
E aí me lembrei de uma frase de uma das muitas cartas de amor que nunca lhe foram entregues.
"Qual é o nosso problema com o instante? A gente fica procurando aquilo que é eterno e tudo mais, mas, por quê? [...] Posso não saber muito sobre você, menos ainda sobre mim mesma, mas sei que todo "para sempre" eventualmente se transforma em algo irritante e sonolento. Definitivamente não é assim que eu me sinto ao pensar em você".
E chego ao fim, assim, dessa mísera introdução do que um dia pode beijar o sucesso e mergulhar no fracasso.
Deixo em seus braços todo o meu calor, mas deixo nas mãos de qualquer um, a oportunidade de dar, ou não, um final ao que os nossos ideais começaram sem querer em uma tarde de julho.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Rodas no asfalto

Hoje, na rodoviária, vi um garotinho com uma blusa onde se lia "Eu nasci para só vencer".
Fiquei imaginando o momento em que a mãe comprou a peça, toda cheia de si e sem a menor noção.
Achei um tremendo vacilo com o garoto. Imagina quando ele tomar a primeira porrada da vida? Vai achar que nasceu em vão.
"Talvez seja só uma camiseta, Jamile." Pensei comigo mesma. Mas nunca é só uma camiseta. Gal Costa vive me dizendo que não. "Não sei, leia na minha camisa".
Já dentro do ônibus, vi duas velhinhas conversando. Estavam falando de alguém que havia morrido há pouco tempo. Uma perguntou à outra de qual funerária ela era "cliente" e, depois de ouvir a resposta, disse bem alto:
-Puta que pariu! É uma merda! Quando o meu cunhado morreu, a gente usou essa. Só deu transtorno.
Fiquei meio chocada por aquela senhorinha, que tinha cara de vovó que faz bolo de cenoura com cobertura de chocolate e dá beijo no dodói do neto, falar palavrão. Mas, porra, quem sou eu pra julgar, não é mesmo?
Depois, as duas continuaram a tricotar a respeito de morte. Mas não era nada filosófico, não. Era sobre tipo de caixão, atestado de óbito, cemitério mais bonito, velório em que a viúva acende incenso (a velhinha número dois disse que isso era coisa de macumbeiro, o que, particularmente, me irritou) e falaram até sobre qual era o melhor padre para rezar a missa de sétimo dia.
Admito que fiquei assustada por elas terem tanto contato com a morte e tratarem disso de maneira tão superficial. Então pensei que, talvez, fosse só uma maneira de ter assunto. Igual na terceira série, quando se discutia quem tinha a lancheira mais bonita. Se bem que, para falar a verdade, eu estava mais preocupada em comer meu lanche e sair pra brincar de polícia e ladrão.
Voltando às duas velhinhas, lembrei-me de todos os assuntos que eu guardo só para mim, por ter medo deles. Pensei que, talvez, a morte seja um desses assuntos para elas.
Imagina só, conseguir vê-la tão de perto...
Nesse momento, alguma coisa me doeu. Eu sabia que eu mesma, do alto dos meus quinze anos, podia vê-la caminhando na minha direção. Cada dia mais próxima.
Quando eu era mais nova, imaginava a morte como uma caveira com uma foice.
Um dia, uma garotinha do jardim dois morreu. Não me lembro qual foi o motivo, mas pensei que aquele esqueleto e sua foice tinham de ter corrido muito pra chegar até aquela menina tão novinha.
Mas imaginar um esqueleto correndo é meio estranho.
Aí, a morte virou uma borrachona que apagava as pessoas do mundo quando elas já haviam terminado de se desenhar.
Continuo com essa mesma teoria, mas no sentido conotativo, porque eu, até hoje, não sei desenhar.

sábado, 18 de janeiro de 2014

Cores de Cora

Eu lavei a sua louça e compartilhei das suas ideias.
Deixei com você um pedaço tão grande de mim que eu hoje não tenho o mesmo formato.
E é tão bom conhecer alguém que não vive de teoria, que não morre lentamente...
Não contenho lágrimas, porque ainda mais doloroso seria sair com passos silenciosos. Eu não sei comportar-me quando o barulho dos meus pensamentos não é sobreposto por alguma coisa.
"Um erro" você, muito provavelmente, falaria baixinho.
Mas, dessa vez, está longe.
Algum parente uma vez me disse, antes de perguntar "dos namoradinhos", que a vantagem de ser jovem é poder deixar as coisas para trás a qualquer momento. Jurava que ele ia dizer algo sobre dores musculares ou cabelos brancos, mas não...
E, realmente, vejo que deixo muitas coisas para trás. Mas mais que isso, deixo um pouco de mim em todas essas coisas. Sejam elas memórias, momentos, pessoas, ou lugares. E isso tudo se infiltra em mim também.
Talvez seja aí o final de tantos "por quês?". Um quebra cabeça feito de trocas e mais trocas. E mesmo que, quando chegue ao fim, forme uma imagem, no mínimo, interessante, ainda será possível ver a divisória de cada uma das peças.
Ou talvez eu esteja apenas me ocupando com pensamentos malucos para evitar mais dor.
É que me parece vazio chegar em casa e não encontrar uma senhorinha de batom vermelho e sorriso largo pronta para me mostrar os jornais que falam sobre a esquerda, grupo do qual ela também faz parte.
Espero que ela saiba, espero que ela sinta e sei que não passaremos tempo esperando.
Mas é um caminho jamais deverá ser percorrido marchando. Vamos cantarolando, dançando mal. Vamos! Vamos!