segunda-feira, 19 de maio de 2014

Em nome do pai

Não te dei meu sobrenome nem me interessei por tuas primeiras palavras.
Por que pensas, então, que me importam as tuas ideias amadurecidas? Ideias que ainda hão de espatifar no chão e cortar-lhe fundo...
Veja bem, garoto, a última vez que tive notícias tuas foi em teu parto.
Eu não estava lá, é vero, mas me disseram que foi um parto difícil. Que teus pés saíram primeiro e tua cabeça insistiu em ficar. Não querias vir ao mundo, moleque. Assim teria melhor sido.
Não te digo isso para machucar, apenas espero que entendas (e, se fores capaz de assim fazê-lo, serás uma espécie rara nesta vida) que não és um fruto do amor. Até porque nunca conheci esse sujeito (inclusive acredito que ele seja invenção desses comunistas malditos!).
Nem ao menos me atrevo a chamar-te de fruto. Um fruto traz algum prazer, não? Tem sabor. És, para mim, uma folha, entre tantas outras, numa árvore qualquer. Uma folha que, mais cedo ou mais tarde, cairá e se perderá em qualquer lugar do chão.
O chão, menino, acostuma-te em ali estar.
Deus me livre que tenhas a minha cara! Não quero um reflexo do que ninguém quer ver.
No fim do dia, não há valor ou ilusão que me impeça de deixar os copos vazios.
No fim de tudo, não há valor ou ilusão que me salve do naufrágio.

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