sexta-feira, 25 de abril de 2014

Monstro da meia noite

Em algum momento, aparentemente aleatório, eu percebi que os meus braços eram curtos demais para jogar e meus traços não eram tão agradáveis ao olhar.
E, então, tive medo.
Medo de tudo aquilo que me habita e eu chamo de certeza.
Não sou, nem nunca serei, alguém maior que os meus sonhos. E isso poderia ser bom, mas me sinto presa à tudo aquilo que me impossibilita.
Embora eu encontre caminhos alternativos ou deixe pra lá, há sempre o fantasma do "eu não fui capaz".
Quem sou eu se não o medo de falhar, o medo de morrer, o medo de não ser?
O que eu queria era ser poesia, mas poesia sente prazer no medo de ser declamado e, ultimamente, só tenho buscado pontos de exclamação e aquilo que não me faz perder o sono e questionar a alma.
Acho que sou covarde. Talvez eu não valha nada mesmo, mas eu encontrei os mais nobres sentimentos e não quis vesti-los. Andei nu e cru pelos sete sóis.
Pois bem, há quem diga que esses sentimentos se encaixam em mim de qualquer maneira, mas a simples ideia daquilo que compõe o "Eu" me faz encolher os ombros.
E em que momento a pessoa que não conseguia ficar com os pés no chão virou esse ser que não quer mais ter ambição?
E eu, que não achava ser possível medir alegria, só quero que me baste a mediocridade.
E  Whisky cowboy.

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Kátia

Ei, minha pequena, hoje é teu dia!
Ontem à noite eu passei horas olhando fotos antigas, de um jeito que não se deve fazer nunca.
Aquele jeito saudoso de quem se culpa todos os dias pelos erros, mas gostaria de voltar no tempo e fazer tudo exatamente igual.
Pois bem, durante a sessão nostálgica, uma foto, em especial, chamou minha atenção. Uma foto bem velha, desbotada. Quase sem cor. Era você, com quatro ou cinco anos, de sorrisão aberto. Ainda tinha dentes de leite e o cabelo era clarinho, clarinho... Estava na fazenda. Pensei que esse, talvez, fosse o motivo daquela alegria pueril e contagiante, mas logo vi que estava enganada.
Como toda criança, você queria era ser feliz. Pouco importava qual era a vista da janela, porque você sempre dava um jeito de ver tudo pelo lado bom, mesmo quando o galo cantava na terra da garoa e o céu estava escuro.
O tempo desbotou o verde da grama na fotografia, mas jamais me deixou esquecer o som da sua risada ou as fantasias que você habitava.
O tempo talvez tenha mostrado à você que eu não sou tão forte quanto parecia ser e não estava certa a respeito de tudo, como eu dizia estar, mas ele dançou comigo até quem você é hoje e isso fez valer todos aqueles pisões de pé.
Não gosto de te ver lamentar os defeitos e desafetos. A estrada é cheia de curvas, de nada vale querer evitar marcas. Como eu já disse, a gente se desenha.
Tenho orgulho de você e te amo para sempre. Feliz aniversário.

quarta-feira, 2 de abril de 2014

Alexandre

Alexandre era um rapaz bonito.
Silenciado como as lágrimas de uma amante, ele tinha como consolo os meios sorrisos e as palavras ásperas.
Era muito cheio de si, é verdade. Talvez lhe faltasse aquele espaço que só existe em abraços apertados, mas ele insistia em dizer que não fazia diferença.
Ainda assim, Alexandre olhava para o mundo com extrema curiosidade, implorando para ser surpreendido. Seria triste demais acreditar que tudo fosse realmente fosco.
Alexandre, na verdade, não sabia em que acreditava. Cansou de pedir aos deuses, todos aqueles milhares de deuses, por alguma lógica, algum sentido ou qualquer coisa que pudesse ser sentida.
Ele tinha hábitos tão estranhos quanto seus pensamentos. Passava horas com a cabeça encostada na janela vendo os carros se transformarem em borrões e gostava de fingir que a fumaça de seu cigarro era uma parte dele que resolveu ir ao encontro do tão esfomeado mundo lá fora.
Ah, Alexandre! Tinha tanto medo de ser igual à todas aquelas pessoas vazias e apressadas que se esbarram na rua sem pedir desculpas, que acabou se isolando tanto quanto elas.
Ah, Alexandre! Só queríamos te trazer para onde o amor transborda e a sua voz ecoa até virar canção.