segunda-feira, 25 de novembro de 2013

A vista da minha janela é o muro

Domingo. O dia em que tínhamos permissão de olhar em volta e andar sem pressa. Depois da missa, é claro.
O evento em que vestíamos nossas melhores roupas e encontrávamos toda a vizinhança. Era só isso para a grande maioria, mas não era o meu caso. Eu gostava.
Quando o sermão acabava, todo mundo saía correndo. As mulheres se juntavam para contar as novidades da vida dos outros e, depois, iam para casa apressadas fazer os almoços, os homens iam ao boteco do seu Luiz ler jornal e discutir futebol, as crianças iam brincar pelos cantos e os jovens ficavam por ali mesmo, paquerando nos banquinhos da igreja.
Eu não sei onde é que me enquadrava, mas ficava na igreja, que, na verdade, era só uma capela. Extremamente simples. Muito diferente das igrejas majestosas que eu estava acostumada a ver quando morávamos em Minas.
Mas eu gostava mais assim. Me distraía menos. Seria ótimo se, ao menos, o Padre Gilberto quisesse estar ali. Ele sabia que ninguém realmente o ouvia. Nem as velhinhas que corriam pra confessar o que não era segredo, porque elas mesmas espalharam.
Na hora do almoço nos reuníamos brevemente enquanto papai falava sobre o banco e perguntava sobre a nova namorada do meu irmão mais velho.
Depois, todo mundo fugia outra vez. Mamãe ia à praça, papai de volta ao bar e Bernardo e Cláudio se enfiavam na casa de nosso vizinho, que tinha uma TV à cores.
De novo, eu ficava ali. Com os meus livros. Era uma pena nem todo mundo poder apreciar o mundo que aquelas letrinhas miúdas impressas no papel continham.
E eu me lamentava por saber que jamais poderia escrever daquela maneira. De juntar ideias e rimas, histórias e sinas. De trazer as maravilhas do mundo para alguém que, como eu, estava ilhado naquele subúrbio paulista.
Eu não despertaria aqueles amores, não derrubaria uma lágrima silenciosa do rosto de qualquer pessoa, não inspiraria ninguém.
E não só por não ter sido agraciada com talento, mas por não ter sido abençoada com a ignorância.
Por não me misturar, e não por arrogância. Por não entender qual era o ponto de toda aquela cerimonia quando, no final, estávamos sempre em desvantagem. Sem chance de "não" e sem oportunidade de "sim".
Por ser pobre, por ser mulher e, novamente, por ser humano.
Acho que direi ao padre Gilberto que o meu grande pecado foi ter os olhos abertos e não deixar o sonho entrar. Viver tanto na realidade a ponto de perceber que sem a ilusão não se faz tempo bom.
É certo que, se não estou feliz, estou fazendo algo errado. Mas o mundo lá fora de quem se diz certo continua cinzento. E não por conta do céu, mas pelos homens em seus ternos que estão sempre atrasados para pegar o bonde.

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