Não me lembro do seu nome, mas ainda gosto do seu rosto.
Eu vejo seus olhos sambando por trás dos óculos, percorrendo a sala como gostariam de fazer os teus pés.
Você me olha, discreto, e eu finjo que não percebi.
As pupilas param de dançar. Talvez sejam os meus trejeitos engraçados ou como de súbito paro de discutir sobre Putin para dançar Spice Girls. Vai saber. Mas você resolveu ficar.
Teus dedos tamborilam com o ritmo da música que começou a tocar. Clapton diz olá e eu, perdida entre memória e melodia, deixo de prestar atenção.
O colorido das luzes corre pelas quatro paredes e as pessoas se amontoam e viram a si mesmas do avesso na pista de dança. Sorrio. Somos mesmo, por instinto e por vontade, pura e eternamente, animais.
Que delícia é essa entrega, esse quê feroz que nos habita e nunca calcula ou premedita.
Eu queria me aceitar assim. Na essência e natureza.
Mas eu insisto e penso (muito mais que muito), achando que isso me leva além.
Só nesse mês eu perdi as contas de quantas vezes eu quis me matar ou fugir pro mato e, horas depois, me encantei de novo com o mundo, a vida e as possibilidades.
O solo de guitarra ecoa pelas caixas de som e os passos de dança transformam-se em pulos.
Fecho os olhos e me apoio na parede atrás de mim. Ela também vibra e eu, desesperada e emocionada demais, choro.
Choro esse que se transforma em gargalhada. O mundo gira e gira e gira... e eu não sei pra onde ir. Conformo-me. Clarice dizia, e eu imploro pra que seja verdade, que perder-se também é caminho.
Abro os olhos sem saber ao certo que cores e paisagens quero ver. Sem certeza de qual chão vou pisar ou no que vou me jogar de cabeça, mas ansiosa por aquilo que o universo ainda tem pra mostrar.
Alguém pergunta se tá tudo bem e, como de costume, digo que tá.
Os acordes de Bowie soam não me deixam negar: agora realmente está. Just for one day ou forever and ever. Tanto faz, é a mesma coisa.
Você se aproxima acompanhado de um sorriso espontâneo. Pergunta se eu bebi demais e se surpreende ao descobrir que eu nem bebi.
Sóbria. Só breu. Só eu. Sol.
Eu gosto das rugas que a sua testa faz quando você pára pra refletir e de como a gente transita entre danças bizarras e planos de ir pra Serra Leoa e Sibéria.
Por fim, nos despedimos com a indicação do seu livro preferido e a promessa de que eu o lerei. Um beijo e além.
Chego em casa inteira. Talvez eu nunca mais te veja, mas o fato de as palavras não terem tido a mera função de preencher lacunas faz valer a pena.