quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Densidade

Ela parou por alguns segundos e viu seu reflexo no espelho sincero, que não escondia nem tentava amenizar a situação.
Era um ponto de interrogação que não tinha prazer na dúvida e não dava asas a imaginação.
Mas, afinal, como é que se pode dar asas a algo, deixar voar e dividir com o mundo, se aquilo não existe mais?
Não havia mentiras, pois a verdade já não doía. Era cruel, um horror, para qualquer um, mas para aquela pequena, que um dia chamei de minha, era indolor. Indiferente.
Tudo era opaco e silencioso demais.
Em um dia próximo ao ocorrido, a menina se perdeu dentro de si. Para ela, estava tudo ali.
Desistiu, mas não se pode dizer que se conformou. Simplesmente secou e afundou.
Eu queria entender, porque a dúvida massacra, machuca e te joga em um mar de perguntas e mentiras sem um bote salva vidas.
Mas ela não precisava daquilo.
Havia memória. Era vaga, mas existia.
Ela falava em tom baixo e perdido, como se não houvesse sentido em explicar.
"Oito segundos. Um olhar de piedade e agradecimento. Um aperto de mãos. Silêncio. Um pedido de desculpas. Um basta, seguido por um grito que, talvez soasse como uma súplica. Uma negação. Um estouro. A cor vermelha. Setenta segundos. A partida. O barulho dos pneus. Outro estouro. Algo próximo. Coisas voando em sua direção. A sensação de não poder ir embora. Três horas naquela situação."
Não soava como algo triste. Apenas um breve relato sem importância seguido pelo silêncio, que não expressava dor. Ali, apenas o vazio.
Os joelhos, que estava acostumados a pedir por glória, não se curvavam mais. Eram apenas imagens sem valor ou importância.
O que eu faria, meu Deus? O que eu faria? Tudo o que eu sabia é que estaria presente.
Ela não me via. Ficávamos ali, num silêncio que chegava a me dar claustrofobia. As vezes, ela se virava pro lado e percebia que eu estava ali. Mesmo assim, continuava sem expressão e presa ao seu silêncio.
Em um dia que, aparentemente seria igual aos demais, houve uma cadeira caindo. E, de repente, a liberdade. Voou, levitou, flutuou.
Talvez fosse desumano, mas pareceu ser o melhor a se fazer. A definhação já havia englobado cada partícula do ser. O que se restou a fazer para fugir desse buraco opaco, foi voar. Só.

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