segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Amanhecer a manhã sua

Acordei de um sonho como quem sai de um mergulho e me decepcionei ao ver que era cedo demais.
Todos ainda dormiam.
Tentei voltar ao sono, mas o encontro das pálpebras se recusou a acontecer.
Espreguicei-me, levantei-me e arrastei os pés até a cozinha em busca de um pedaço de pizza frio.
Pensei em como a vida num domingo de manhã não é nada cinematográfica e glamurosa.
Voltei ao quarto e vasculhei meus discos em busca de uma trilha sonora que salvasse o filme sem graça. Nada. De repente a música favorita parecia o barulho da rua ao meio dia: alto porém imperceptível. Nada havia no melhor dos álbuns da melhor das bandas. Canções que cabiam tão bem nos ouvidos que sabiam o caminho da porta e não tocavam a campainha nem o coração.
Olhei meus livros na estante. A maioria eu havia devorado em alguns dias e relido mais tarde, em noites amargas ou dias ruins, pra esquecer ou relembrar. No entanto, no canto superior direito, atrás de uma bandeira pendurada, se escondiam alguns livros lidos pela metade. Assombravam-me, inacabados e esquecidos. Não podia, no entanto, livrar-me deles. Assim como o metrô não pode parar entre duas estações. Um livro, na cabeceira da cama, tinha apenas dez páginas intocadas. Já podia prever o desfecho, mas recusava-me a sair daquela realidade. Recusava-me a ler uma última palavra que, sem dizer mais nada, expulsava-me de páginas outrora mágicas.
Estirei-me na cama. Queria alguém pra conversar. No celular eu via contatos de gente que eu não via há tempos. Não gostava mais das cores das paredes, não queria mais caber nas roupas do armário. Havia encontrado um novo sentido à expressão "cheia de si".
O choro de quem se emociona vendo o mesmo filme pela segunda vez não carrega a surpresa, o anseio, o mistério e o desespero do que não se sabe.
Não sabia quem eu era, não sabia o que queria e também não sabia de onde vinha aquele ralado no joelho, mas insistia em olhar pela faceta de semblante simpático que dizia que isso podia ser muito emocionante.
Calcei os chinelos, abri o portão da frente e fui tomar café na padaria.
Ouvi alguém rindo atrás do balcão e me dei conta de que ainda vestia meu pijama.
Era um novo dia e isso só podia ser dom. Amanheceu a manhã sua. Bom diga eu te amo.

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