quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Alucinações sóbrias sobre isso e aquilo

Faltou luz, eram quatro da tarde de uma quarta feira no início da primavera. O sol brilhava ardido no céu e o calor sufocava.
Eu, estirada no sofá vermelho, corria os olhos pelas últimas linhas da última página de um livro. Não entendia o final, embora se fizesse óbvia a morte das protagonistas.
Dominava-me um sentimento anestésico e eu não reconhecia nem ouvia nada ao meu redor. A sala de paredes verdes e espelho oval, que eu frequentava há anos, não remetia à nada. Corri, então, para cozinha. Precisava de um copo d'água e de qualquer cousa que me pusesse os pés no chão, porque naquela altura eu já flutuava alto, mas, sem a sensação de liberdade, era como se alguém me levantasse pelo pescoço. Eu lutava para respirar.
Abri a torneira do filtro de barro, mas não tive paciência para esperar o copo encher.
Abri a porta da sala e pensei em sair, pedalar até a bandeirantes ou andar a pé como se nunca tivesse visto aquelas lugares antes, mas desisti.
Sabia que precisava extravasar, botar qualquer cousa pra fora, no entanto não sentia vontade alguma de chorar. Talvez quisesse vomitar, gritar e pular da janela (de paraquedas, porque não queria morrer). Queria um choque de realidade, queria a vida como ela é, queria fugir das utopias que eu crio todos os dias, queria, pelo amor de Deus, a leveza da certeza. 
Quis, então, encontrar a Laura na rua sem querer e ligar pro Tom só pra contar da cor do céu. Quis os abraços do Carlos e a paz da Mariana. Eu quis o mundo, eu quis Saturno.
Me acalmei e andei até a varanda. Acho que estava triste com o desfecho do livro. Não por eles estarem mortos, mas por terem morrido completamente insanos, dizendo cousas sobre o amor que nem ao menos eram reais. Eles quiseram morrer de amor e eu queria explicar-lhes, pelo amor de Krishna, como o amor tem milhares de outras facetas e não se resume ao carnal, ao feminino e masculino e à paixão juvenil e explosiva.
Na varanda um vento morno e preguiçoso soprava. Era engraçado como do décimo andar a vida parecia maior  e cheia de surpresas.
A luz voltou, a claridade ainda não tinha ido embora e a clareza nem sequer chegou.
Estava viva. Viva e insana, dizendo cousas sobre o amor que nem ao menos eram reais, mas sabia, e como sabia, que como Platão, Dom Quixote e os charlatões eu nem sempre precisava escolher o real.
Fodam-se Romeu e Julieta e Cléo e Daniel. Viva os amores de todos os dias! O amor que faz alguém parar e ouvir o músico do metrô, o amor da amiga que segura o cabelo durante o vômito, o amor que transborda os olhos de emoção quando um filme chega ao fim, o amor que é tesão, o amor que é carinho, o amor a Deus (seja ele qual for), o amor que invade o peito ao ver o nascer do sol e a todos os outros amores que a gente nem sabe que vivem, mas que o fazem, insanos e apaixonados.