quarta-feira, 29 de abril de 2015

Além dos nuncas

Tenho regado as plantas, como minha mãe gosta de fazer. Da varanda, eu sinto o vento no rosto e a vontade de ir pro mundo todo.

Mas eu tenho sorte, porque minha casa é lar e não tem nada que eu goste mais do que ser por completo e poder dar ao estar o poder do incerto ou a escolha de todo o resto.

Tenho o que quero: gente que me quer por perto. Gente sem os seus tantos sufixos "ismo", que agora só me remetem à doença. Machismo, cinismo, egoísmo e fanatismo.

Não se dá as costas ao que importa, não se queima um semelhante só porque é conveniente e cartões de aniversário não apagam o descaso de todos os outros dias do calendário.

Minha mariposa favorita parou de voar em volta de uma luz que só aprendeu a queimar. Há, agora, o sol. Agouro que ele sempre foi seu e Deus nenhum vai fazer mal a quem só sabe amar. O desespero dos erros não se cala com indiferença nem se trata como doença. Sinto muito que seus seis olhos jamais puderam enxergar.

E eu sei que também há feridas do lado de lá, que, às vezes, as lágrimas demoram a cessar e eu sei que há pontos de vista em que confiam verdadeiramente. Por isso, dou-lhes espelhos e a chance de ver tudo por inteiro, mas não os quero, se as asas não os levarem pra longe da barra da saia e dos problemas que os anos arrastaram para cá. Vocês eram cinco e cinco só voltarão a ser quando abraçarem o sim.

Minha fisionomia não define quem eu sou e de nada me vale o sangue se não há alma.

Eu os amo, antes de mais nada, mas a vida aqui tem sido mais feliz. Quem aqui está, está inteiro.

Da varanda, eu sinto o vento no rosto e afirmo: de cima se vê melhor o mundo. De cima, além das nuvens e além dos nuncas.

Com amor, como sempre, Jami.

sexta-feira, 24 de abril de 2015

Poema problema

Se um dia o vento lhe soprar os ouvidos, ouve.

Se lhe instigar, voa.

Mas não feche as janelas 

fingindo que em nada afeta

Em todo rosto que cala,

o que fala é o oposto.


Em cada canto,

em cada sala

um misto de afeto e desgosto.

Preso entre o querer e o fazer,

estende-se além

dos dedos da mão,

do seio da mãe.


Não cubra o rosto,

não feche os olhos,

não dê as costas.

O que desagrada 

está em cada esquina,

o que tira o sono

a todo instante.

Não passa com o tempo,

não cala,

não cessa.


Mas, se preferir 

aumentar a ilusão

de que é assim que 

tem que ser,

talvez o seu peso dobre

talvez aumente o número de maços por dia

talvez adoeça

talvez enlouqueça...

Quem sabe até

vire um daqueles pobres coitados?


Só não se esqueça,

O vento tem que correr

O vento tem que voar

E a gente?