quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Dois mil e eu quis

Na última vez em que fui dormir em 2015, minha cabeça pesou e eu não pude pegar no sono.
Era estranho justamente por causa do monte de sonhos que tive naquele ano. Sonhos que de repente estavam a caminho da realidade.
Dois mil e quinze foi um ano de transição. Eu vi gente morrer, me fiz crescer, criei projetos, abandonei o que me pesava os ombros e passei um certo tempo querendo estar em outro lugar.
Agora, prestes a embarcar, me vem o choque.
Um ciclo chegou gloriosamente ao fim e é muito confortável estar na posição em que se admira quão lindas são as memórias e se pode rir do que outrora fez sofrer por parecer o fim do mundo.
O que assusta, na verdade, é que o fim de um ciclo anuncia um novo. 
"E agora, Jami?" Pergunto a mim mesma como Drummond a José (muito menos melancólica, porém).
Chega a hora em que tudo cobra e exige respostas. Sinto falta da utopia de que adultos sempre sabem o que fazer e fantasiar ao responder à pergunta"o que você vai ser quando crescer?".
Acabou a segurança da casa dos pais e o conforto de estar em meu país. Trilhar caminhos longe da zona de conforto é o que eu sempre quis, mas assusta.
Passeio, então, por esses 365 dias que vivi. 
Não gosto de quando as pessoas maldizem um ano, é tirar de si a responsabilidade e a culpa das cousas terem sido ruins. 
É vero que em dois mil e quinze se foi o BB King e rolaram os atentados em Paris (sem falar do que tá acontecendo na Síria!!!), mas a culpa é dos homens, nunca do tempo. O tempo é ouro e é pouco. Ou será que pouco somos nós?
Sei lá, só sei que dois mil e quinze me incentivou a caminhar e ir além. Procurar respostas pras perguntas que o ano (ou será que fui eu mesma?) não me respondeu e... ah, meu Deus, isso soa como um daqueles textões de autoajuda típicos de fim de ano que eu acho tão ZzzZZzzzzz. 
O pior é que eu não tenho uma conclusão genial ou algo que vá fazer com que as pessoas repensem o sentido da vida, mas faz parte.
As cousas nem sempre têm um final bem pontuado. O ano termina numa quinta feira, da mesma maneira que uma vida inteira acaba num sopro e o que resta é só o corpo. Sem fazer a viagem dos sonhos, se declarar, assumir os erros, pular de paraquedas, fazer uma tatuagem, conhecer o mundo, pedir desculpas...
Ah, não, a gente não tem tempo pra perder e se arrepender.
O meu muito obrigada a dois mil e quinze (se pudesse seria um abraço). Espero que seu sucesso nos devore (e vice versa).

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Genesis Geminis

Eu que era poesia
agora gaguejo sem saber o que falar.
Tudo tava sempre na ponta da língua,
mas isso teve um ponto final.

Nó na garganta.

Eu que falo muito,
pulo portões,
invado camarins
e gosto de ir além
de onde os limites
permitem penetrar,
me pego errando a letra,
enroscando os dedos nas pestanas
e desafinando nas conclusões.

Conclusões tornam-se confusões que prendem-me aos meus lençóis.

Vontade de ficar só,
cortinas pra não ver o sol,
desprezo por tudo o que sou,
desejo de tudo o que aquilo que nem sei.

Passa uma semana inteira
e chega
sem bater à porta
a segunda feira.

Encaramo-nos,
escancaramo-nos
e perdoamo-nos porque...
sim.

Já não nos vemos
como promessas de ano novo
que não se permitem cumprir.
A vida nunca foi
comprida o suficiente.

Que seja,
então,
sem doses homeopáticas ou
gente sem graça
de cara antipática.

Minha droga
é o turbilhão da vida inteira
direto na veia.

Quero dançar até suar,
tatuar um astronauta
e aprender mandarim.

Ir pra Rússia,
parar de pedir e dar desculpas,
aprender a dizer sim.

Quero mais certezas
sem perder o poder
de questionar.

Ter paciência,
entender química orgânica,
sonhar que nem criança.

Quero justiça
e não só esperança
pra mulheres,
negros e
quem tem outra forma de amar.
Basta de esperar.

Quero as cousas todas,
as cousas loucas
e aprender a viver com pouco.

Quero cama e corpo,
alma e o todo.

E quando um dia eu for
só um punhado de ossos,
a tataratataravó de que não se lembra o nome,

que eu paire em paz
pelo outro plano
ou seja lá quais forem os planos
dos deuses,
dos meses
ou dos monges.

Que seja
Sem teto,
sem terço,
sem grandes feitos,
mas com afeto.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Túnel do tempo

-O Brasil tá uma merda! Esses petistas estão acabando com o país! Bandido bom é bandido morto!! Os militares deveriam reassumir o poder!!
-Que que é isso? Por que é que cê tá gritando aí? Está perturbando a paz! Isso é crime.
-Eu tô gritando porque esse país tá uma bosta! E você, quem é? 
-Meu nome é Ernesto Geisel. Como é que você se atreve a chamar o país de 'bosta'? O que você faz, moleque? Trabalha em que?
-Na verdade eu ainda não trabalho. Moro com os meus pais e tô fazendo cursinho para entrar em geografia.
-Geografia? Você quis dizer estudos sociais. Esse curso foi fechado. É um antro de comunistas sujos que querem acabar com a nossa pátria.
-Não, eu não sou comunista, eu acho qu...
-Você quer achar alguma coisa??? Numa ditadura militar? Quem é você? Sargento, major?
-Não, eu só quis dizer que..
-Você é da Arena ou do MDB?
-Não, eu votei Aécio, do PSDB...
-Multipartidarismo?!!!? Seu comunistazinho sujo!! Vai me dizer que também gosta desses vagabundos da tropicália e do Chico Buarque! Já me bastava minha filha!
-Eu até gosto de Caetano, mas o senhor está se excedendo, eu não sou comunista, sou...
-Quem é você pra contestar a minha autoridade? Prendam esse homem!
-O que?!? Mas.. Onde é que eu tô? O que vocês estão fazendo? Eu não sou comunista, pelo amor de deus!!!
-Você está no prédio do DOPS. Foi preso por perturbação da paz, insinuação de Multipartidarismo, desacato a autoridade e formação de quadrilha comunista. Você é um terrorista e vai passar por sessões de tortura até revelar quem são os chefes do seu movimento.
-Tortura?!???! Mas não tem chefe, não tem movimento, não tem nada! Eu não sou comunista, nem terrorista, vocês vão acabar me matando!
-Bandido bom é bandido morto.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Rosa dos ventos

A você que encolhe os ombros por pensar que não sabe voar e não tenta alcançar as estrelas por achar que tem braços curtos demais: hoje eu digo sim. 
A vida pode tentar te fazer engolir a resposta oposta por diversas vezes, mas não agora. É preciso vomitar as incertezas e as papas na língua, porque é compreensível não saber por onde seguir, mas imperdoável não sair do lugar.
Eu sei que em teoria você já sabe tudo o que eu quero dizer, mas na prática eu não me fiz entender, porque palavras são bonitas, mas são estáticas. Implora-se por ação, mesmo que essa seja só uma reação ao marasmo raso do dia-a-dia.
Você esconde segredos por trás do sorriso bonito e inseguranças por trás dos óculos de aro grosso, mas é preciso encarar a realidade e interpretar o surreal: o sonho, a saudade e a sensação. Não seja metade.
Os ares tristes são aquietados por brisas de festividades que por aqui passam, mas nunca ficam. 
Inicia-se, então, a busca por um outro placebo que alivie a dor e outro problema que afaste esses pensamentos. 
A resolução dos conflitos e a revolução da alma ficam sempre pra amanhã. Te imploro: seja inteiro. Chega de dançar conforme a música, você é o maestro (ou o baixista, mas não sejamos literais).
Por mais que odeie admitir, é sincero quando digo que te acho um ser humano incrível e é por isso que queimo os mapas e as falas prontas pra te indicar qualquer direção: sei que você é capaz (e olha que eu ando descrente de quase tudo).

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Gabriela

Pra mim, era aparição de férias de verão e saudade em qualquer outra estação. De sotaque arrastado, sorriso largo e malandragem na alma, ela era carioca. 
Quando menina era às vezes um tanto arredia, devido a tudo que foi submetida. Na garganta não suportava nós: sempre teve voz. E, apesar do caos da vida real, ria e cantava alto porque toda hora era rosa e todo dia era prosa.
Ela era Gabriela. Menina magrela e malandra sempre à frente da dança e em busca de encrenca. 
Durante um tempo foi "Beiéia", mas a vida toda foi uma espécie de super heroína que eu amava, admirava e queria tanto impressionar. 
A prima de outro estado, da praia, do gingado.
Em noventa e tantos era cachinhos e molecagens: em cima da árvore, correndo até que a pudessem alcançar. Em dois mil e pouco era rebelde: cabelos coloridos e ideias absurdas. Hoje ela é a beleza de uma vida inteira e a certeza de que muito ainda está por vir. Gabi está sempre à frente e segue sempre em frente, apesar do terror que dá as caras de vez em quando.
Gabi entrou em todas as faculdades possíveis e imagináveis com a mesma facilidade que entrou na vida de toda gente: sem possibilidade de ser esquecida.
Uma selvagem de cabelo impecável. Dispensa amarras e preconceitos. Aceita os devaneios porque vê verdade em toda parte. Por vezes se perde em seus próprios espirais, mas se encontra, infinita que é.
É audácia, coragem, cara de pau... É amor. E quando a vejo, mesmo que de longe, tão linda e vívida (ávida por mais), também enxergo a pequena que sempre queria colo e, de tão livre, me fez também querer ter asas.
Entre tantas elas, Gabriela.

domingo, 29 de novembro de 2015

Anemic morals

Don't drive me home, 
drive me wild.

I wanna kiss the lead singer
under beneath the stars
Cause
I've got the youth
wishes 
and issues

And I ain't searching 
For treasure 
or fashion

Oh, honey
Stop covering your eyes.
It can't be a free country 
if you all live as slaves
And find it cool.

I don't wanna be sober
In a world where they treat
Atomic bombs like fireworks
If it's not in their homes.

Nothing's worth it
if there's no growth 
And nothing's worse
than growing old
but not growing up

I like the world
when everything's spinning 
I like nice words
but only when there's real meaning

sábado, 21 de novembro de 2015

Sentença da descrença

Quando a noite já é quase manhã e a melancolia me impede de estar sã, o acaso me diz que é hora de voltar pra casa.
Cambaleio pela Praça da República. São prédios imensos em ruas inúmeras. Eu, pequena e falha, sinto-me sufocada. Há sempre homens de negócios em ternos eternos e mendigos jogados em busca de um trago.
Queria fazer mais que existir, ir além do último trem. Falta-me utopia, faltam-me ideais e assim eu não sou ninguém. 
Bêbada mas nunca em paz. Outra noite, outro rapaz... beijos de quem também não é inteiro, nada de mais.
"Posso te levar pra casa?" 
"Não, obrigada."
Depois nunca mais. Tanto faz.
Na porta de casa sei que não há lar.
Tiro os sapatos, encaro os retratos e torço pra dormir de uma vez.
Na manhã seguinte sei que virão mais escadas, mais estradas e ainda assim não chegarei a lugar algum.

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Se a idade for cidade

Três da tarde: tempestade.
O céu escuro, as calçadas escorrendo, guarda-chuvas abertos, pessoas correndo.
Chuva pra paulista virou sinônimo de alegria, mas as senhorinhas, amontoadas nas janelas, reclamavam dela só pra ter o que falar. Depois voltavam aos tititis de todo dia: o decote da vizinha, o namorado da empregada, o filho gay da enteada. Que pecado! 
No carro, parado no trânsito, o executivo estava impaciente. Discutia ao celular e gritava sem parar "Você sabe quem eu sou?!?!" Parecia dizer "você sabe quem eu sol? O mundo gira ao meu redor!". O farol abriu, ele acelerou. A pressa imperava, o apreço implorava, mas ele parecia nunca chegar a lugar algum, sempre faltava. Fechou o ciclista que dobrava a esquina e seguiu em frente sem saber que andava em círculos.
No balcão da loja, uma menina envelhecida pelo desânimo. Olhava a todos com o desinteresse típico de alguém que odeia o próprio emprego. Não fazia a menor questão de ser cortês, mas não tratava mal. Tanto faz e coisa e tal.
Havia um nome em seu crachá, mas ela não tinha a menor identidade. Estava acostumada a não ter voz.
Na porta da faculdade, o calouro reclamava do calor, da falta de tempo e do prefeito. No caminho havia passado por um mendigo, mas aos seus olhos aquilo era uma barata. "Tão repugnante quanto", praguejava. 
Indo pra aula, cruzou com a mulata do curso de exatas. Não perdeu a chance de lançar-lhe uma cantada que mais parecia uma ameaça. Ela ignorou. "Ingrata! Mal comida!".
O rapaz havia frequentado durante a vida toda os melhores colégios da cidade, que garantiam educação de qualidade. Falharam, apesar do ingresso à faculdade.
Num parquinho ali perto, as crianças brincavam na chuva. Riam alto, sem se preocupar com resfriados. Faziam do quintal um mundo, cujas cores e formas eram escolhidas por elas. Escolhiam brincar lá fora em vez da solidão de dentro, com tanta mãe da rua, pique esconde e polícia e ladrão, para isso não havia tempo.
Já na estante, estão os reis, gênios e heróis, empoeirados e incontestáveis. Às vezes acho que essa é a única razão pela qual são invencíveis e não consigo entender porque toda obra prima se faz filha única no que há de ruim: seu ego é cego, do tipo de egocentrismo se espalha pelas zonas norte, sul, leste, oeste e chega até o ABC. Puta merda, é quase uma megalópole.
Eu procuro entender porque tentam a todo tempo nos dividir entre ordinários e especiais quando somos sempre os dois.

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Copo d'água em tempestade

Te guardei num acorde de violão desafinado e saí dançando pela rua, cambaleando em fim de festa, bem acomodada nas trocas de olhares de flash em flash.
Gostei da sensação de oásis, de ser feito miragem. A música boa que toca no rádio e a gente nunca descobre o nome. 
Te pintei efêmero, mas, na segunda feira, às seis da manhã do horário de verão, deixei a preguiça de lado e fui ver o sol nascer, deslumbrada e desvairada.
Fiz, sim, a matemática da vida real e ouvi as lições de moral que a hierarquia me obriga aceitar. 
Não estava nas nuvens, mas estar na Terra tinha de ser suficiente. Carreguei o peso que me colocam nas costas todos os dias: o fardo de ter que saber o que eu vou ser quando ainda não faço a menor ideia de quem sou eu e o fato de não saber lidar com as ideias conflitando com o mundo lá fora.
Mas, da forma estranha de quem não sabe pra onde ir, segui em frente. Sem nada a ver com coragem ou força de vontade, apenas o desespero para fugir do que é estático. A aversão aos mesmos caminhos, hábitos, maneiras e temperos.
Eram colapsos e mais colapsos, mas eu ainda cantarolava. E tinha um quê de você na melodia, escondido no cinza do dia-a-dia.

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Pintando os sete mares

Passeio por entre renascentistas, pixadores, românticos e futuristas. Deslumbrada, apaixono-me e amaldiçôo-os por erros que quem cometeu fui eu. Prefiro assim. Repudio meus demônios como os expressionistas à guerra e a pop art ao consumo.
Perdida em uma vida registrada nos Operários de Tarsila, me encontro apenas nos azuis de Picasso.
Os outros agem de forma barroca em telas que eu prefiro não pintar: perfeitos em forma de horrendas histórias. Exagerados e envoltos por trevas, dividem o mundo maniqueistamente no chiaroscuro. Afasto-me. Prefiro viver à margem e ser heroína (ao menos aos olhos de Oiticica...).
Pela manhã, quando a luz impede o surrealismo de continuar, já que há quem ache necessário acordar, as manchetes de absurdos no jornal me fazem ter certeza: Deus é dadaísta.

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Alucinações sóbrias sobre isso e aquilo

Faltou luz, eram quatro da tarde de uma quarta feira no início da primavera. O sol brilhava ardido no céu e o calor sufocava.
Eu, estirada no sofá vermelho, corria os olhos pelas últimas linhas da última página de um livro. Não entendia o final, embora se fizesse óbvia a morte das protagonistas.
Dominava-me um sentimento anestésico e eu não reconhecia nem ouvia nada ao meu redor. A sala de paredes verdes e espelho oval, que eu frequentava há anos, não remetia à nada. Corri, então, para cozinha. Precisava de um copo d'água e de qualquer cousa que me pusesse os pés no chão, porque naquela altura eu já flutuava alto, mas, sem a sensação de liberdade, era como se alguém me levantasse pelo pescoço. Eu lutava para respirar.
Abri a torneira do filtro de barro, mas não tive paciência para esperar o copo encher.
Abri a porta da sala e pensei em sair, pedalar até a bandeirantes ou andar a pé como se nunca tivesse visto aquelas lugares antes, mas desisti.
Sabia que precisava extravasar, botar qualquer cousa pra fora, no entanto não sentia vontade alguma de chorar. Talvez quisesse vomitar, gritar e pular da janela (de paraquedas, porque não queria morrer). Queria um choque de realidade, queria a vida como ela é, queria fugir das utopias que eu crio todos os dias, queria, pelo amor de Deus, a leveza da certeza. 
Quis, então, encontrar a Laura na rua sem querer e ligar pro Tom só pra contar da cor do céu. Quis os abraços do Carlos e a paz da Mariana. Eu quis o mundo, eu quis Saturno.
Me acalmei e andei até a varanda. Acho que estava triste com o desfecho do livro. Não por eles estarem mortos, mas por terem morrido completamente insanos, dizendo cousas sobre o amor que nem ao menos eram reais. Eles quiseram morrer de amor e eu queria explicar-lhes, pelo amor de Krishna, como o amor tem milhares de outras facetas e não se resume ao carnal, ao feminino e masculino e à paixão juvenil e explosiva.
Na varanda um vento morno e preguiçoso soprava. Era engraçado como do décimo andar a vida parecia maior  e cheia de surpresas.
A luz voltou, a claridade ainda não tinha ido embora e a clareza nem sequer chegou.
Estava viva. Viva e insana, dizendo cousas sobre o amor que nem ao menos eram reais, mas sabia, e como sabia, que como Platão, Dom Quixote e os charlatões eu nem sempre precisava escolher o real.
Fodam-se Romeu e Julieta e Cléo e Daniel. Viva os amores de todos os dias! O amor que faz alguém parar e ouvir o músico do metrô, o amor da amiga que segura o cabelo durante o vômito, o amor que transborda os olhos de emoção quando um filme chega ao fim, o amor que é tesão, o amor que é carinho, o amor a Deus (seja ele qual for), o amor que invade o peito ao ver o nascer do sol e a todos os outros amores que a gente nem sabe que vivem, mas que o fazem, insanos e apaixonados.

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Sol, lá, si, dor.

Desceu do ônibus no impulso de um suspiro e encontrou um conhecido simpático cujo o nome insistia sempre em fugir à memória. Já não sabia se era José, João, Júlio, Jonathas ou o raio que o parta, mas era gente boa e adorava jogar cartas. Trocaram palavras poucas e fizeram promessas de que se encontrariam novamente para jogar truco e fumar charutos. Ao despedir-se, confundiu as palavras e trocou o "tchau" por um "te amo" casual, daqueles que a gente diz sem perceber, por "descuido ou poesia".
Seguiu andando pela calçada esburacada, onde tropeçou ao olhar o relógio. Caído no chão, ouviu os risos do bar em frente e, meio sem querer, soube rir também. Olhava o relógio por puro hábito, não lhe importava que horas eram. Quando estava prestes a se levantar, reparou num trevo de quatro folhas que tivera um folha arrancada. Era uma espécie de sorte forjada, mas aquilo bastava.
Voltou a caminhar, dessa vez com um sentimento próximo ao de receber uma benção. As nuvens já cobriam o céu e raios e trovões faziam com que as pessoas corressem para suas casas, mas uma janela continuava aberta e dela saíam os primeiros acordes de sua música preferida. Lembrava de ter comprado aquela fita cassete nos anos 80, de ouvi-la em inúmeras noites cinzentas e em festas descontroladas. A vida costumava ser muito mais intensa. Vivia como quem corre na pista da esquerda e ia ao planetário sonhar com um mundo melhor.
Inundado por memórias e saudade, nem percebeu que a chuva já caía. Os trovões eram mais altos do que a música que saía da janela, mas, para ele, ela não havia parado de tocar. Soava alta, verdadeira e crua, como nos velhos tempos.
Se encontrou dançando na chuva, no meio da rua, sentindo como se estivesse num maldito videoclipe ou num musical ruim. E ria. Gritava. Chorava. Transitava entre todos os estados possíveis, até ter certeza de que era líquido, como a chuva.
Pessoas espiavam debochadas pelo vidro da janela, mas ele nem ao menos parecia lembrar da existência delas.
No dia seguinte, ele, cujo nome ninguém parecia se lembrar, não voltou para casa. 
Um menino que por ali brincava disse que ele passou descalço e sem camisa e pediu para empinar sua pipa. Depois foi embora cantando.
Queria ser Raul, profeta gentileza. Prezava pelo que não era certeza e não queria mais contar como eram as cousas no seu tempo. Seu tempo era agora. 

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Intenso em instantes

Às vezes tenho a impressão de estar vivendo minha vida como um trailer que enche de esperanças pessoas que acabam indo ver a um filme ruim.
Me sinto em meio a um videoclipe de imagens sem sentido que podem parecer interessantes por três minutos, mas são só um amontoado de loucuras pra uma vida inteira.
Mas, sinceramente, uma vida inteira é tempo demais pra ser vivido pela metade. Eu quero um pedaço de cada pra viagem.
Não é um monólogo, ficção ou um documentário. Não poderia jamais registrar fielmente esses pequenos momentos de epifania em que a vida aparece nua, seja no transbordar dos olhos, no arder da garganta, no surgimento do sorriso, no despertar das manhãs ou no cessar do coração. Não poderia também, embora desejasse imensamente ter criatividade para tal, inventar instantes assim. A vida é um bicho arisco que foge a qualquer sinal de atuação, mas escancara os dentes e abre o peito ao farejar o perigo: que vença o melhor.
Que sejam, então, captadas imagens desconexas, mas que elas despertem qualquer cousa. Que tragam o que sentir. Não precisar ser obra prima, só não pode passar em branco, não é necessário sentido, só é necessário seguir (pra onde der e vier e pra onde o coração mandar). 


segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Vossa excelência é um safado

Eu não tenho posição nenhuma.
Não vou tomar partido.
Ouviu bem? Não vou engolir ninguém, então trata de afastar esse cálice.
Não tem vira-vira, não tem shot. Só se o shot for tiro do menor que você quer botar na cadeia (que é diferente do tiro de cocaína que o seu candidato dá), afinal de contas, você tá mesmo no topo da cadeia alimentar e deve ser muito interessante dizer "decifra-me que devoro-te assim mesmo". Que se foda a poesia e viva a liberdade de expressão em tempos em que você reclama de não poder ser preconceituoso em paz porque tem um bando de viado, mulher e preto favelado querendo ser considerado gente. O que você vai dizer pro seu filho? Não que você realmente fale com ele -não! Esse problema já foi resolvido quando ele ganhou um I-perde-se. Finalmente calou a boca pra você assistir o jogo.
Também não é permitido dizer que o governo federal vai mal -Não! Ou você se tornará o mais repugnante dos salgados da padaria: uma coxinha. E haja coração valente pra pagar o preço disso, que está mais alto que a Hosana. Ou seria Osama? Se bem que alto mesmo tá o dólar do Obama, ó que absurdo: você nem pôde ir pra Miami três vezes esse ano.
Mas, antes de esse texto chegar ao final, vamos fazer tudo de novo. Quem sabe o Cunha vira o jogo?

terça-feira, 21 de julho de 2015

Madrugada em claro (e em todas as cores do arco-íris)

A madrugada é mesmo engraçada. Cantarolo um segundo e já são duas, me distraio um instante e já são três e quarenta e cinco.
Antes de o galo cantar indago: quantas madrugadas são vocês?
E as palavras se portam como números na ponta da língua ou na ponta do lápis. Multiplicam-se, dividem-se e, antes que eu possa me dar conta, já estão inventando histórias e criando estrofes. Portam-se, então, como heróis ou trovadores, que querem mudar o mundo, mover montanhas, cantar façanhas, contar vantagens e viver viagens.
Não são produto nem querem ser possuídas. Existem: que posso eu fazer? Direito a forma hei de lhes dar.
Mas, quando finalmente encontro-me nos lençóis, é o sol que quer saber o que é que há.
A madrugada é mesmo engraçada, eu já nem sei se ela sequer existiu.

segunda-feira, 20 de julho de 2015

Contradiznão

Que nada 
do que nos cabe 
se acabe

E se?

Mas se,
que no presente e no passado
só afago.
O fardo? C'est fini!
Como tudo o que está por vir

E que 
o acaso acenda no amargo 
numa quarta feira a tarde 
no meio da 
r
u
uma tal felicidade 
sem casa, 
sem cara, 
sem credo.

Porque o instante 
é o feto do eterno 
e o eterno está 
sempre por perto. 

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Entre a memória e a vitória

Tenho andado um tanto nostálgica.
Sinto falta de programas de TV que não existem mais e da vida como costumava ser. 
De repente parar pra prestar atenção em como os anos têm passado rápido é assustador: o que parecia ontem está em dois mil e três, as memórias se confundem, os rostos e nomes são esquecidos, alguns já nem mesmo têm importância, e eu sou um outro alguém.
Não sou em nada parecida com o que sonhei para mim e o mundo se desenha, cada vez mais, como um enorme mistério. Ou será que sou eu quem só se vê em pontos de interrogação? Tinha inúmeras certezas e tudo parecia mais simples, concreto. Dominar o mundo era trivial e a baixa estatura não me impedia de alcançar qualquer cousa com as pontas dos dedos. 
O que era semente já criou raízes profundas, mas ainda busca o céu, descontrolada e incessantemente.
Sinto muita saudade e muita vergonha também.
Tantos erros cometidos... muito do que julgava importante é agora inútil, ou mesmo fútil. 
Os pensamentos de outrora já não me cabem, como muitas das roupas antigas.
Mas foi só quando alguém perguntou "Cade a menina que estava aqui?" que entendi.
Senti compaixão pela menina que fui, pela menina que ainda sou, por saber que, como a água, me mantive fluída e disse não a qualquer espécie de forma definida. Os caminhos são muitos e as chances de (re)conhecê-los são incontáveis. Menina que flui.
Eu só tenho dezessete, a Via Láctea tem treze bilhões. Acho que posso me perdoar. Acho que posso me amar. Acho que posso me reinventar e acho que olhar pra trás não precisa ser melancólico, pode ser só aprendizado, pode ser o que ficou no íntimo, no coração.
Há tempos tento salvar pessoas de seus demônios enquanto deixo os meus próprios de molho.
Ainda que eu tenha a vida inteira, quero encará-los agora, como me encaro no espelho todas as manhãs (olheiras, incertezas e imperfeições, mas ainda de pé).
Eu tenho dezessete e muito está por vir, a própria Terra não teve a Lua de imediato e Mick Jagger não era o líder dos Stones desde o começo, mas é estranho, porque agora posso me lembrar de dez anos atrás. Antes isso era quase todo o meu tempo de vida. Ainda é, né?
Eu não sei.
E isso é bom.

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Além dos nuncas

Tenho regado as plantas, como minha mãe gosta de fazer. Da varanda, eu sinto o vento no rosto e a vontade de ir pro mundo todo.

Mas eu tenho sorte, porque minha casa é lar e não tem nada que eu goste mais do que ser por completo e poder dar ao estar o poder do incerto ou a escolha de todo o resto.

Tenho o que quero: gente que me quer por perto. Gente sem os seus tantos sufixos "ismo", que agora só me remetem à doença. Machismo, cinismo, egoísmo e fanatismo.

Não se dá as costas ao que importa, não se queima um semelhante só porque é conveniente e cartões de aniversário não apagam o descaso de todos os outros dias do calendário.

Minha mariposa favorita parou de voar em volta de uma luz que só aprendeu a queimar. Há, agora, o sol. Agouro que ele sempre foi seu e Deus nenhum vai fazer mal a quem só sabe amar. O desespero dos erros não se cala com indiferença nem se trata como doença. Sinto muito que seus seis olhos jamais puderam enxergar.

E eu sei que também há feridas do lado de lá, que, às vezes, as lágrimas demoram a cessar e eu sei que há pontos de vista em que confiam verdadeiramente. Por isso, dou-lhes espelhos e a chance de ver tudo por inteiro, mas não os quero, se as asas não os levarem pra longe da barra da saia e dos problemas que os anos arrastaram para cá. Vocês eram cinco e cinco só voltarão a ser quando abraçarem o sim.

Minha fisionomia não define quem eu sou e de nada me vale o sangue se não há alma.

Eu os amo, antes de mais nada, mas a vida aqui tem sido mais feliz. Quem aqui está, está inteiro.

Da varanda, eu sinto o vento no rosto e afirmo: de cima se vê melhor o mundo. De cima, além das nuvens e além dos nuncas.

Com amor, como sempre, Jami.

sexta-feira, 24 de abril de 2015

Poema problema

Se um dia o vento lhe soprar os ouvidos, ouve.

Se lhe instigar, voa.

Mas não feche as janelas 

fingindo que em nada afeta

Em todo rosto que cala,

o que fala é o oposto.


Em cada canto,

em cada sala

um misto de afeto e desgosto.

Preso entre o querer e o fazer,

estende-se além

dos dedos da mão,

do seio da mãe.


Não cubra o rosto,

não feche os olhos,

não dê as costas.

O que desagrada 

está em cada esquina,

o que tira o sono

a todo instante.

Não passa com o tempo,

não cala,

não cessa.


Mas, se preferir 

aumentar a ilusão

de que é assim que 

tem que ser,

talvez o seu peso dobre

talvez aumente o número de maços por dia

talvez adoeça

talvez enlouqueça...

Quem sabe até

vire um daqueles pobres coitados?


Só não se esqueça,

O vento tem que correr

O vento tem que voar

E a gente?

terça-feira, 31 de março de 2015

O terno e o eterno

Saiu do escritório como a respiração de alguém que passou um minuto e meio debaixo d'água. Era sexta feira. "Aleluia! Graças a Deus!" Proferia sem a menor intenção de ir à igreja.
Afrouxou a gravata como quem tira a corda da forca do pescoço e até a música genérica do elevador o instigava a dançar. Chegou ao saguão sorridente como nunca. "Até que enfim, hein, seu Manoel? Te vejo na segunda" disse segundos antes de se lembrar que o funcionário só ia embora às oito horas. Por breves instantes sentiu pena, mas olhou o relógio e já eram cinco e meia: melhor correr. Da calçada, ligou pro Luiz pra decidir pra onde iriam. Pensava em ir prum barzinho na Vila Madalena ou na rua Augusta, o Enfarta ou o Nola, quem sabe? Mas Luiz falou de uma festa no Morumbi e o convenceu a ir. Desligou.
Entrou numa bardaria pra tomar uma gelada, antes de mais nada. No balcão, falavam de futebol com a importância que se dá ao fim do mundo. A rivalidade fazia as vozes se exaltarem, mas as palavras logo se transformavam em gargalhadas. Era estranho pra alguém que havia passado tanto tempo se dedicando inteiramente a uma tese de mestrado, um relacionamento frustrado ("totalmente esquecido", dizia a si mesmo) e a uma promoção no trabalho. Coisas essas que ele julgava mais importantes que o brasileirão, mesmo assim, não se sentia melhor que os caras do balcão. "Foda-se o Corinthians. O São Paulo e o Palmeiras também" pensou enquanto pagava o olho da cara pela breja. Ah, esses bairros nobres...
Na calçada outra vez, caminhou devagar, como nunca fazia, respirou fundo e olhou em volta. Em plena Consolação e no horário de pico, tudo acontecia ao mesmo tempo. E as pessoas de traços, sotaques, etnias e histórias tão diferentes, pareciam iguais em meio à correria. Aliás, era assim que se sentia. Igual, não uma iguaria. 
Ainda andando devagar, recebia alguns esbarrões e ofensas que não o faziam acelerar. Olhava tudo. A mulata bonita que alisava e prendia o cabelo de coroa, trazia a mesma sensação de um passarinho numa gaiola, o moreno, que ele acreditava ser nordestino, tinha traços cansados, mas um sorriso simpático... havia tudo quanto é tipo de rosto. Perdia-se, mas tentou deixar pra lá. Ainda tinha que buscar o carro no estacionamento pra ir à festa do Morumbi. Era sexta feira. Um dia bom. Um dia pelo qual ele havia esperado.
Foi então, na altura da Paulista, em frente à passagem literária, que ele a viu na direção contrária, enquanto atravessava a rua: Daniella. O amor inacabado e "não tão esquecido assim" sobressaia-se em meio a multidão. Não que fosse extremamente bonita ou chamativa, mas era ela. No meio da faixa, não sabia o que fazer, queria gritar seu nome, mas em meio a tanto ruído, aquilo parecia silêncio. Parou quando estava chegando ao outro lado da rua. O coração estava acelerado e ele sorria, embora sentisse uma pontada de desespero por talvez não conseguir chegar a ela. Decidiu voltar, se a vida era mesmo a arte do encontro, tinha reencontrado sua artista favorita. Não podia ser em vão.
Atravessou a rua outra vez, correndo e sentindo o vento no rosto. Ainda via Daniella, embora ela já estivesse de costas. E, então, quando sentiu-se perto o suficiente pra chamar seu nome, veio um ruído forte demais e, depois, só silêncio. O farol abriu e um motoboy atrasado acelerou.
Morreu na hora, sem chegar aonde queria. Dizer que morreu na praia seria bondade. Morreu no meio da rua, "na contra-mão, atrapalhando o tráfego".
Talvez os pensamentos e sentimentos ruins tenham ido embora com o sangue que escorria da cabeça.
Não buscou o carro no estacionamento, não foi à festa, não viu seu Manoel na segunda feira.
De terno e gravata estirado ali no chão, parecia pronto para o caixão. O rosto estava um tanto quanto desfigurado, mas é sempre tudo igual, não faz mal.
Daniella, sabe-se Deus se era mesmo ela, não o viu. Com o barulho do atropelamento, muita gente correu até lá para ver o que tinha acontecido. Ela, que não queria saber de tragédia, aproveitou que a calçada esvaziou e andou mais rápido em direção a nenhum lugar importante.

terça-feira, 24 de março de 2015

Entre chorinhos e choradeiras: eu quero me amar e quero me armar

Mas o céu está azul de novo, amor. A noite acabou e eu não sonhei. Não sonhei, mas escolho viver.
Como quem escolhe não mais pensar que as nuvens são de algodão. É, é água, aquela mesma que chove e depois escorre no chão (como os versos da música já disseram). Isso é mágico e triste.
Esses dias mesmo a gente falou de melancolia, de solidão em lugares cheios de gente.
Te vejo em quadros do Monet e nos pixos de São Paulo. Você já deveria saber que toda forma de arte tem um quê de clandestina, a indignação que não cala, a beleza que transcende o olhar.
Te ouço naqueles chorinhos que arrepiam os pelos do braço e aceleram o coração. Na voz, sempre uma viagem pr'outro mundo, da Ella Fitzgerald ou nos vocais esganiçados do Garotos Podres. Sussurro, silêncio.
As mãos tremulam, os olhos transbordam e o chão é gelado.
Culpo-me. A ninguém mais.
Existe essa maldita procura dos olhos por uma visão que traga paz, traga luz... e a luz também cega.
Os beijos! Queria que fossem inúmeros, mas da boca pingam mentiras que prometem cessar como um viciado que diz que é a última vez.
E, então, escuto o choro desesperado de quem sente um vazio no peito e uma facada na garganta. No meio dessa histeria, convenço-me de que é isso o que sou: histérica, incapaz e triste.
E quando vejo alguém ir embora de cabeça erguida, talvez incerto do futuro, mas confiante no que é, sinto inveja. Sinto inveja porque olho pra trás mais vezes do que posso contar (não tenho culpa, sou de humanas) sem entender o passado e sem gostar do presente.
E, em um lapso de pensamentos, espanto-me: o céu continua azul, mas aqui dentro é tempestade. É o dilúvio, eu juro! E fico torcendo pra essa "arca de não é" naufragar e eu não ter que me obrigar a sorrir e ser agradável em uma outra manhã. Agradável é o caralho! Que é que a gente tá fazendo aqui? Nos enganando, é claro. Fingindo que somos refinados e comemos pernas de rã, mas é só engolição de sapo.

quinta-feira, 19 de março de 2015

Metafórico, não mórbido

Que é que eu, pequena e mãos trêmulas, tenho a dizer da morte?
Ela, que vem de repente ou se faz insistente, pode ser chamada de falta de sorte?
Quisera.
É o epílogo de todos os livros da biblioteca. Dos que encantaram a ponto de ser doloroso deixar aquele universo literário, aos que, como nos capítulos anteriores, ninguém se interessou em ler.
É a carta de despejo que não se quer receber. Ou quer, vai saber...
Tem morte no envelhecer do corpo, tem morte no abandono de ideais (mesmo os irreais nunca são irrelevantes), tem morte no medo do escuro, tem morte pra europeus e plebeus.
Tem eu.
Tem vida, muita. Tem gênero, classe, filo... tem filas! Filas de espera pra transplante de órgãos e fila de espera no drive thru do McDonalds.
Mas esperamos pela morte?
Lenine diz que a vida é tão rara e os jornais dizem que a vida é bem cara, mas a vida tem de ser mais, a vida tem de ter o mal, pra que na vida vital seja o que canta e encanta. O samba é filho da dor. O samba tem toda a cor.
E somos pretos. Pretos, pardos, brancos, amarelos e mais todas as cores que o arco íris tem. Isso é quase como estar no céu, não é?
Mas nós, ao contrário do deuses,
somos meros mortais. Mortais porque é certo (ou errado, eu já não sei) que a morte vem. Convenientemente se esquece que dentro de todo Deus, tem eu.
E eu, pequena e mãos trêmulas, convenço-me de que a vida e a morte são pedaços de nós. De fácil corte e grande porte. 

quinta-feira, 5 de março de 2015

Para quando não precisares mais de malas

Quando de manhã fizer frio e pisar descalço for desconfortável, quando o suor for de um e não dois, engole seco. Arde como cachaça, como ralado em joelho de criança, mas passa.
Cantarola aquela letra dos Beatles ou o seu mantra hindu favorito. Faz isso como quem não crê em casta e não tem classe nem casa.
E, então, nos dias em que a lua surgir cheia e avermelhada, estufa o peito, respira aliviado e dá graças aos seus e aos céus.
Os movimentos de translação e rotação continuam, mas, pra você, só vale andar em círculos se for pra dar a volta ao mundo. Uma nova rota que sempre pende pra Rosa dos ventos.
Deixa pra trás as cordialidades de toda a corja e vá em direção às cordilheiras. 
É tanto conceito, tanto preceito, tanto enfeite... Deixa também o supérfluo! A memória tem que ser mais do que um penacho no chapéu, já que quem é passageiro não vive só de platéia. "Você está vivo, esse é o seu espetáculo"
Com amor, como sempre.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Entre o louco e o são, Paulo

Que encanto canta Sampa?
A cidade de por enquanto,
a terra da vida inteira.

São Paulo grita
e com a vontade de gritar
vem o graffiti da parede
o pixo, o sujo, o nojo
vem o mendigo na calçada
da alta sociedade engravatada

São Paulo é inspirada
é inspirar
e expirar
Soar o som de si mesmo
suar em apartamentos apertados

A terra da garoa
tem sede
com toda a mágoa
do trocadilho da palavra,
falta água.

Sobra medo
trancas, cadeados, portões
Falta moradia?
e as tantas casas vazias?

Mas, se um dia,
em Higienópolis
ou Heliópolis,
seja entre balas de borracha
ou fogos de artifício,
as cores de Sampa
se fizerem nas cores do samba...
Ahhhh, meu bem,
então dança!
mergulha fundo
O mar em São Paulo
é amar.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Amanhecer a manhã sua

Acordei de um sonho como quem sai de um mergulho e me decepcionei ao ver que era cedo demais.
Todos ainda dormiam.
Tentei voltar ao sono, mas o encontro das pálpebras se recusou a acontecer.
Espreguicei-me, levantei-me e arrastei os pés até a cozinha em busca de um pedaço de pizza frio.
Pensei em como a vida num domingo de manhã não é nada cinematográfica e glamurosa.
Voltei ao quarto e vasculhei meus discos em busca de uma trilha sonora que salvasse o filme sem graça. Nada. De repente a música favorita parecia o barulho da rua ao meio dia: alto porém imperceptível. Nada havia no melhor dos álbuns da melhor das bandas. Canções que cabiam tão bem nos ouvidos que sabiam o caminho da porta e não tocavam a campainha nem o coração.
Olhei meus livros na estante. A maioria eu havia devorado em alguns dias e relido mais tarde, em noites amargas ou dias ruins, pra esquecer ou relembrar. No entanto, no canto superior direito, atrás de uma bandeira pendurada, se escondiam alguns livros lidos pela metade. Assombravam-me, inacabados e esquecidos. Não podia, no entanto, livrar-me deles. Assim como o metrô não pode parar entre duas estações. Um livro, na cabeceira da cama, tinha apenas dez páginas intocadas. Já podia prever o desfecho, mas recusava-me a sair daquela realidade. Recusava-me a ler uma última palavra que, sem dizer mais nada, expulsava-me de páginas outrora mágicas.
Estirei-me na cama. Queria alguém pra conversar. No celular eu via contatos de gente que eu não via há tempos. Não gostava mais das cores das paredes, não queria mais caber nas roupas do armário. Havia encontrado um novo sentido à expressão "cheia de si".
O choro de quem se emociona vendo o mesmo filme pela segunda vez não carrega a surpresa, o anseio, o mistério e o desespero do que não se sabe.
Não sabia quem eu era, não sabia o que queria e também não sabia de onde vinha aquele ralado no joelho, mas insistia em olhar pela faceta de semblante simpático que dizia que isso podia ser muito emocionante.
Calcei os chinelos, abri o portão da frente e fui tomar café na padaria.
Ouvi alguém rindo atrás do balcão e me dei conta de que ainda vestia meu pijama.
Era um novo dia e isso só podia ser dom. Amanheceu a manhã sua. Bom diga eu te amo.

domingo, 11 de janeiro de 2015

Pelo visto virão

Finda o dia
escorre na sarjeta
um misto de inocência e alegria

Questionam,
entre clicks e mordidas,
se é o feto ou a placenta
na proporção do teto e da fazenda

A morte não padece
no beija flor que rodeia o lixo
ou no motorista que vê o pôr do sol
pelo vidro espelhado do banco central

Disseram-me fraca
pelas explosões e a aspirina
Contei, como os dedos das mãos,
que eu sou mercúrio além dos dias bons

Nada cala sem escalas
e os beijos perdidos
em faces estáticas
não sei se piam ou choram
o medo do ontem
o desgosto de hoje
E a incerteza do amanhã

Mas cala essa boca!
É verão!
Desce mais uma
desce a serra
Só pare de ansiar por um mundo são
Mas e São Paulo?
São Vicente.
E São Caetano?
São Sebastião.
São todos loucos.

Até nos corpos mais bronzeados
de sorrisos estampados
Há certeza de que verão invernos.

Em vão?
Não!
Na veia.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Flicts não quer saber de poesia

Eu percebi que escondo o rosto pra chorar mesmo quando não tem ninguém em volta.
Então eu me dei conta do tanto de cousa podre que tem aqui dentro. De como, apesar do blá, blá, blá e os ideais nem sempre praticados, eu ainda sou quase que inteiramente fútil.
Eu fico feliz que as pessoas gostem do que eu escrevo e se choquem ao me ler. É: me ler. Porque eu tô toda ali a todo instante, mas ninguém entende sem as legendas.
Eu gosto dos elogios e em muito me envergonha dizer isso, mas, sim, espero por eles. Quero que venham, por isso abro as portas, as janelas, os ouvidos e o coração. Não que nisso caibam os pecados todos, mas tenho medo de que ofusque a essência, o porquê de ter começado a rimar e prosear: o medo de explodir. Eu mesma nessa eterna limpeza da alma.
Apesar de todos os problemas, desgraças e a má sorte rolando por aí, tem sempre um lado bom. Ou eu sou mesmo abençoada e vivo num meio de gente de muito bem.
As pessoas dizem cousas bonitas, sabe? Assusta bastante.
Eu queria ser a coragem e audácia que eles dizem ver em mim.
Eu queria entender a alegria que as pessoas associam ao meu eu.
A verdade é que eu sou só alguém muito estabanada tentando a todo tempo não desmoronar.
E o tom do melancolia não é pra deixar mais interessante não, viu?
Quando eu não me deixo levar pela minha tendência imbecil de checar a merda do meu smartphone a cada dois milésimos, gosto muito de olhar pro céu. Principalmente durante a noite. E quando eu vejo uma estrela cadente, faço o primeiro pedido que vier à cabeça e passo uns dois minutos achando aquilo tudo muito mágico. Depois, me pergunto se ela vai cair na Terra e matar todo mundo. Ou então fazer algum estrago muito bizarro na Rússia que o Jornal nacional não vai noticiar simplesmente porque é mais importante falar da vinda da Jennifer Lopez ao Brasil.
Voltando ao céu: de vez em quando, tentando ver as constelações e ainda achando fantástico o fato de que mesmo de tão longe ainda consigo ver Marte avermelhado, eu me sinto um peixinho num aquário e fico esperando que algum portal seja miraculosamente aberto e eu seja abduzida.
Acho que isso é um jeito de tentar fugir sem resolver os problemas de fato. Minha mãe sempre diz que eu jogo a bagunça pra debaixo da cama pra que os outros pensem que ela não está lá, mas a minha cabeça continua caótica. Eu discordo muito da minha mãe (é uma das minhas funções!), mas ela está certa.
Não que eu não ame esse planeta. Eu sou apaixonada pelo oceano, acho que o Himalaia é mais fantástico que o Olimpo e a terra do nunca (escalar o K2 é um sonho e a esperança de um dia ir prum lugar muito melhor que o céu), me perco olhando pras nuvens, me encanta o relevo, a hidrografia e todas as outras cousas que chamadas por nomes assim parecem menos interessantes.
Indo além, eu gosto de gente. Gosto do urbano. Gosto do caos, do falho, do humano. Eu gosto de ter tanta gente pra falar, tantas etnias, tantos sotaques, tantas línguas, tantas opiniões com as quais eu não concordo... Eu gosto de falar de política! Eu gosto de expor minhas verdades, eu gosto de argumentar e abrir o leque de versões. Eu gosto até de descobrir que estou errada.
Eu quero estar próxima das pessoas porque, embora possam ser cruéis, como eu sou em inúmeras situações sem nem perceber, elas são universos inteiros.
E eu querer entender os outros e adentrar, mesmo que por poucos instantes, o amontoado de galáxias de cada um, enquanto fujo das minhas próprias, só vai atrapalhar a todo mundo sem que ao menos saibam o que de passa.
Eu peço desculpas.
Eu não vou falar dos meus sentimentos e das partes obscuras do meu, não tão poético, eu, porque tenho medo disso tudo.
É a minha lua em virgem e será minha ruína.