segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Sol, lá, si, dor.

Desceu do ônibus no impulso de um suspiro e encontrou um conhecido simpático cujo o nome insistia sempre em fugir à memória. Já não sabia se era José, João, Júlio, Jonathas ou o raio que o parta, mas era gente boa e adorava jogar cartas. Trocaram palavras poucas e fizeram promessas de que se encontrariam novamente para jogar truco e fumar charutos. Ao despedir-se, confundiu as palavras e trocou o "tchau" por um "te amo" casual, daqueles que a gente diz sem perceber, por "descuido ou poesia".
Seguiu andando pela calçada esburacada, onde tropeçou ao olhar o relógio. Caído no chão, ouviu os risos do bar em frente e, meio sem querer, soube rir também. Olhava o relógio por puro hábito, não lhe importava que horas eram. Quando estava prestes a se levantar, reparou num trevo de quatro folhas que tivera um folha arrancada. Era uma espécie de sorte forjada, mas aquilo bastava.
Voltou a caminhar, dessa vez com um sentimento próximo ao de receber uma benção. As nuvens já cobriam o céu e raios e trovões faziam com que as pessoas corressem para suas casas, mas uma janela continuava aberta e dela saíam os primeiros acordes de sua música preferida. Lembrava de ter comprado aquela fita cassete nos anos 80, de ouvi-la em inúmeras noites cinzentas e em festas descontroladas. A vida costumava ser muito mais intensa. Vivia como quem corre na pista da esquerda e ia ao planetário sonhar com um mundo melhor.
Inundado por memórias e saudade, nem percebeu que a chuva já caía. Os trovões eram mais altos do que a música que saía da janela, mas, para ele, ela não havia parado de tocar. Soava alta, verdadeira e crua, como nos velhos tempos.
Se encontrou dançando na chuva, no meio da rua, sentindo como se estivesse num maldito videoclipe ou num musical ruim. E ria. Gritava. Chorava. Transitava entre todos os estados possíveis, até ter certeza de que era líquido, como a chuva.
Pessoas espiavam debochadas pelo vidro da janela, mas ele nem ao menos parecia lembrar da existência delas.
No dia seguinte, ele, cujo nome ninguém parecia se lembrar, não voltou para casa. 
Um menino que por ali brincava disse que ele passou descalço e sem camisa e pediu para empinar sua pipa. Depois foi embora cantando.
Queria ser Raul, profeta gentileza. Prezava pelo que não era certeza e não queria mais contar como eram as cousas no seu tempo. Seu tempo era agora. 

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