segunda-feira, 23 de maio de 2016

4:48 a.m. na pista de dança

Não me lembro do seu nome, mas ainda gosto do seu rosto.
Eu vejo seus olhos sambando por trás dos óculos, percorrendo a sala como gostariam de fazer os teus pés.
Você me olha, discreto, e eu finjo que não percebi. 
As pupilas param de dançar. Talvez sejam os meus trejeitos engraçados ou como de súbito paro de discutir sobre Putin para dançar Spice Girls. Vai saber. Mas você resolveu ficar.
Teus dedos tamborilam com o ritmo da música que começou a tocar. Clapton diz olá e eu, perdida entre memória e melodia, deixo de prestar atenção.
O colorido das luzes corre pelas quatro paredes e as pessoas se amontoam e viram a si mesmas do avesso na pista de dança. Sorrio. Somos mesmo, por instinto e por vontade, pura e eternamente, animais.
Que delícia é essa entrega, esse quê feroz que nos habita e nunca calcula ou premedita.
Eu queria me aceitar assim. Na essência e natureza.
Mas eu insisto e penso (muito mais que muito), achando que isso me leva além. 
Só nesse mês eu perdi as contas de quantas vezes eu quis me matar ou fugir pro mato e, horas depois, me encantei de novo com o mundo, a vida e as possibilidades.
O solo de guitarra ecoa pelas caixas de som e os passos de dança transformam-se em pulos.
Fecho os olhos e me apoio na parede atrás de mim. Ela também vibra e eu, desesperada e emocionada demais, choro. 
Choro esse que se transforma em gargalhada. O mundo gira e gira e gira... e eu não sei pra onde ir. Conformo-me. Clarice dizia, e eu imploro pra que seja verdade, que perder-se também é caminho.
Abro os olhos sem saber ao certo que cores e paisagens quero ver. Sem certeza de qual chão vou pisar ou no que vou me jogar de cabeça, mas ansiosa por aquilo que o universo ainda tem pra mostrar.
Alguém pergunta se tá tudo bem e, como de costume, digo que tá.
Os acordes de Bowie soam não me deixam negar: agora realmente está. Just for one day ou forever and ever. Tanto faz, é a mesma coisa.
Você se aproxima acompanhado de um sorriso espontâneo. Pergunta se eu bebi demais e se surpreende ao descobrir que eu nem bebi.
Sóbria. Só breu. Só eu. Sol.
Eu gosto das rugas que a sua testa faz quando você pára pra refletir e de como a gente transita entre danças bizarras e planos de ir pra Serra Leoa e Sibéria.
Por fim, nos despedimos com a indicação do seu livro preferido e a promessa de que eu o lerei. Um beijo e além.
Chego em casa inteira. Talvez eu nunca mais te veja, mas o fato de as palavras não terem tido a mera função de preencher lacunas faz valer a pena.

quarta-feira, 11 de maio de 2016

Cochilos e viagens no tempo

Hoje fechei os olhos e me transportei pra uma madrugada fria na tão cheia de histórias pra contar, Santo André.
Era, então, uma da manhã de dois de junho de dois mil e dois. Outono.
Entretanto, eu corria pela casa vestida com minha calcinha das Meninas Super Poderosas em uma animação pueril de fim festa: meu aniversário.
O mundo é mesmo muito, mas muito, fabuloso aos olhos de uma criança de cinco anos recém completados.
Brincava mais com a caixa dos presentes do que com os brinquedos em si. Em instantes me transformava em astronauta, princesa e cantora famosa. Era só querer.
A TV, uma LG preta que parecia um caixote e provavelmente tinha cinco vezes o meu peso, estava ligada no Cartoon Network e Dexter corria atrás da Dee Dee enquanto ela perguntava "pra que serve esse botão?". 
Não que eu estivesse prestando atenção, naquela hora tentava fazer com que as caixinhas de perfume que ganhei coubessem nos meus pés pra eu brincar de Cinderela, mas não deixava minha mãe desligar a TV porque gostava do clima de festa.
Cinco anos! Uma mão inteirinha, com todos os dedos! Idade de princesa.
Meu castelo ficava na Rua Independência, no Jardim Bela vista: um prédio de três andares todo florido e com vizinhos legais. Da varanda a gente via o ipê amarelo que anos mais tarde a prefeitura mandou cortar. O que mais eu poderia querer?
Ah, já sei! Brigadeiros. Os que sobraram da festa estavam na geladeira. Meus aniversários eram conhecidos porque era permitido comer os docinhos desde o início (até porque fala sério, gente, que maldade colocar aquelas delícias em cima da mesa pra inglês ver e só deixar a gente comer depois do parabéns). 
Minha mãe fazia um milhão de brigadeiros e eu comia, em média, oitocentos mil, enquanto meu pai me jogava pra cima e pra baixo e eu brincava de voar.
Àquela hora eu já estava morta de sono, mas não queria ir dormir porque eram quase duas e eu achava muito adulto estar acordada. Decidi, então, rebobinar minha fita cassete da Vaca e o Frango e assistir pela quadrilhonésima vez, mas com 8 minutos de filme eu já estava no sétimo sono.
Acordei por instantes no colo da minha mãe, que me levava pro quarto e cantava baixinho, mas voltei a dormir e a sonhar. Não existia em 2002, e não existe até hoje, lugar mais seguro. E mesmo que agora, catorze anos depois, ela não consiga mais me carregar, continua sendo o suporte dos meus sonhos todos.