quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Ciranda

Os jornais já estão amarelados, assim como os sorrisos.
A gente nunca saiu do papel, mas não seria problema algum se, ao menos, ele virasse um aviãozinho ou rascunho de criança.
Os armários estão cheios de coisas que não gostamos e você ainda me pede pra ter paciência. Me diz que as coisas vão melhorar, mas não estar ruim não significa estar bom.
Outro dia mesmo você perguntou o porquê de eu passar mais tempo olhando o mundo pela janela do que vivendo as nossas coisas.
Eu dei ombros, mas isso me atormentou durante um bom tempo. Desde quando se vive de coisas? Eu deveria me alegrar por ter um novo liquidificador?
Foi a minha vez de me pedir paciência. Talvez você tenha se expressado mal. Talvez essas tais 'coisas' sejam abstratas. Eu tenho andado tão chata...
Já não reclamo do trânsito da megalópole. As buzinas e a gritaria têm sido menos desagradáveis de ouvir do que a sua crítica ao novo filme do Almodóvar. Dei um jeito de me esconder na fumaça dos caminhões.
Eu olho as pessoas pela rua e invento uma história de vida pra cada uma delas. Fico imaginando o que elas me contariam. Como seria o tom de voz e o que as emocionaria. A sorte e a tragédia estão sempre presentes, mas não há coragem para uma aproximação. Conversas são improváveis.
A gente não quer mais mudar o mundo e anda pela casa tentando não se esbarrar. Vira pro outro lado da cama e almoça olhando para baixo.
Me tornei narrador observador em minha própria vida, que se tornou um filme ruim, sem pipoca e com uma trilha sonora melancólica.
Viver do que foi e não é mais. Se conformar.
"Pelo menos eu não vou morrer sozinho".
Como se a presença de alguém também vazio fizesse alguma diferença...

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