segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Rodas no asfalto

Hoje, na rodoviária, vi um garotinho com uma blusa onde se lia "Eu nasci para só vencer".
Fiquei imaginando o momento em que a mãe comprou a peça, toda cheia de si e sem a menor noção.
Achei um tremendo vacilo com o garoto. Imagina quando ele tomar a primeira porrada da vida? Vai achar que nasceu em vão.
"Talvez seja só uma camiseta, Jamile." Pensei comigo mesma. Mas nunca é só uma camiseta. Gal Costa vive me dizendo que não. "Não sei, leia na minha camisa".
Já dentro do ônibus, vi duas velhinhas conversando. Estavam falando de alguém que havia morrido há pouco tempo. Uma perguntou à outra de qual funerária ela era "cliente" e, depois de ouvir a resposta, disse bem alto:
-Puta que pariu! É uma merda! Quando o meu cunhado morreu, a gente usou essa. Só deu transtorno.
Fiquei meio chocada por aquela senhorinha, que tinha cara de vovó que faz bolo de cenoura com cobertura de chocolate e dá beijo no dodói do neto, falar palavrão. Mas, porra, quem sou eu pra julgar, não é mesmo?
Depois, as duas continuaram a tricotar a respeito de morte. Mas não era nada filosófico, não. Era sobre tipo de caixão, atestado de óbito, cemitério mais bonito, velório em que a viúva acende incenso (a velhinha número dois disse que isso era coisa de macumbeiro, o que, particularmente, me irritou) e falaram até sobre qual era o melhor padre para rezar a missa de sétimo dia.
Admito que fiquei assustada por elas terem tanto contato com a morte e tratarem disso de maneira tão superficial. Então pensei que, talvez, fosse só uma maneira de ter assunto. Igual na terceira série, quando se discutia quem tinha a lancheira mais bonita. Se bem que, para falar a verdade, eu estava mais preocupada em comer meu lanche e sair pra brincar de polícia e ladrão.
Voltando às duas velhinhas, lembrei-me de todos os assuntos que eu guardo só para mim, por ter medo deles. Pensei que, talvez, a morte seja um desses assuntos para elas.
Imagina só, conseguir vê-la tão de perto...
Nesse momento, alguma coisa me doeu. Eu sabia que eu mesma, do alto dos meus quinze anos, podia vê-la caminhando na minha direção. Cada dia mais próxima.
Quando eu era mais nova, imaginava a morte como uma caveira com uma foice.
Um dia, uma garotinha do jardim dois morreu. Não me lembro qual foi o motivo, mas pensei que aquele esqueleto e sua foice tinham de ter corrido muito pra chegar até aquela menina tão novinha.
Mas imaginar um esqueleto correndo é meio estranho.
Aí, a morte virou uma borrachona que apagava as pessoas do mundo quando elas já haviam terminado de se desenhar.
Continuo com essa mesma teoria, mas no sentido conotativo, porque eu, até hoje, não sei desenhar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário