quarta-feira, 2 de julho de 2014

9753 m

Ei, mãe, agora é noite.
Estava lendo Bukowski, até perceber que ele me deixa pra baixo e indiferente. Então, peguei os guias de viagem e vasculhei outros lugares para visitar.
Saber que me perderei em cada cantinho do desconhecido me faz muito feliz.
Um americano que está sentado na poltrona de trás chutou o meu acento e murmurou mal humorado "turn the lights off". Babaca. Só apaguei as luzes porque meus olhos realmente estão se escondendo por trás das pálpebras.
Ainda assim, não consigo dormir. É muita coisa incrível pra imaginar e é uma dor imensa te deixar sozinha em um momento como esse.
Ri baixinho da brincadeira de pega pega que o sono faz comigo. Ele sempre fugindo e eu sempre guardando caixão. Acho que não sei brincar.
Agora todos dormem. Encosto a cabeça na janela geladinha e, meio sem querer, olho através dela.
As estrelas estão pertinho de mim, mãe. A princípio elas pareciam me convidar pra ser parte dessa galáxia em espiral, mas agora vejo que não preciso de convite. Já sou parte de tudo isso. Mesmo que eu seja ruim, mesmo que não tenha dentes bonitos, mesmo que não saiba cantar. Faço parte e sou poeira cósmica como elas são.
Estamos perto do Panamá e, de repente, me vejo chorando de emoção às três da manhã. Tento limpar as lágrimas com esse travesseirinho que deveria ser o berço dos meus sonhos, mas meus sonhos já não precisam de berço. Estão voando em direção ao novo. E se hoje podem voar, mãe, é porque você fez do teu peito um ninho.
Estou chorando e não sei porque. Estou chorando porque gostaria de ser mais gentil, menos temperamental e mais paciente. Estou chorando porque jamais poderei agradecer o suficiente e, mesmo assim, você não me cobra como poderia. Estou chorando porque sou tão cheia de erros e você me dá toda essa possibilidade de chegar ao maravilhoso. Estou chorando porque, apesar de tudo, não poderia estar mais feliz e isso tudo é toque de mágica seu.
Ah, o americano está reclamando porque acendi a luz pra escrever, mas dessa vez respondi "jo no hablo su lengua, ai caraca".


Um comentário: