quarta-feira, 12 de março de 2014

Menina que anda

Um dia desses, num ponto de ônibus próximo à Esalq, um senhor me disse sorrindo:
"Acho incrível esse seu hábito de escrever, menina. Aliás, hábito não, né? Arte. Porque no instante em que você transforma toda a confusão à que vocês jovens são submetidos em palavras, meras letrinhas e garranchos, você as eterniza.
Na verdade, acho que vocês mesmos se submetem à essa loucura, viu? É o encanto de ser jovem. Poder mergulhar em piscina que não dá pé e conhecer à todos os mundos pedindo carona em cada estrada.
É por isso que eu te digo, menina, que tenho 78 anos e sou jovem. Tenho dores nos joelhos e uma filha de 36 anos que me pede para ter juízo e sossegar, mas sou jovem como pouca gente já foi.
Essas palavras que você estava rabiscando em seu bloquinho permanecerão na eternidade. Mesmo que você tente alterá-las ou descartá-las, buscando o dia em que possam ser classificadas como 'corretas'. Esse dia não há de chegar.
Veja bem, menina, não deixe a naturalidade te escapar por entre os dedos.
Talvez as pessoas não se lembrem do teu nome no futuro, mas que importância isso tem, afinal?
Os anos podem consumir seu rostinho liso e risonho, o excesso pode tentar te tomar energia, mas nada te privará daquilo que você não compreende e te faz feliz, senão você mesma."

Foi aí que o ônibus chegou e eu entrei, esperando que o jovem senhor fizesse o mesmo. Assim, eu poderia fazer perguntas. Mas, pela janela, pude ver que ele tinha se virado e estava caminhando devagar em outra direção. Talvez eu não precisasse de respostas, afinal.
Olhando para os chicletes colados na poltrona à minha frente, fiquei pensando em como eu não seria capaz de eternizar só aquilo de que gosto e em quantas coisas ruins já rondam o "para sempre".
Então, olhei para o meu bloquinho e para o que eu havia escrito. Era sobre você.
Sim, sim. Sobre você. Acho que eu nem preciso te chamar por seu nome, porque é sempre você. Mesmo quando são os outros, mesmo quando sou eu, mesmo quando não é ou não há ninguém, estou sempre tentando transformar em você. Tudo em vão, Você é nome próprio.
O meu desespero de correr por aí fingindo ser alguém que não é de ninguém fica no presente, mas a certeza de que o mundo jamais será grande demais para os passos nossos pode viajar para o tempo que quiser pelo tempo que quiser

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